domingo, 28 de abril de 2024

The Azure Roots of Dreaming


With eyes shut tight,
Lost in liquid darkness,
Other worlds unfold in whispers.
I find myself hovering in formless vastness
In the amniotic infinity
Where beginnings dissolve into endings, 
And change pulses through me like a tide.

I can feel something in me changing,
The throes of some uneven death.
I am translucent to the woes of disappointment.
I hear notes reverberating further away
Hinting at some long-lost unity.

My hands extend like invisible capillaries.
I can graze my fingertips on the unknowable,
Tracing the azure roots of dreaming,
The forgotten primal movement
From which spring the ethereal foundations
Of all that is significant and real.

We teem with motives and meanings, 
Bound by the threads of memory's web.
Yet our voices echo only briefly, 
Through the occupied vacuum of space and time. 
Our voices will not be carried forever
Through the interstice of our hours,
By the finitude of our laughter.

Surrounded by dim shadows, 
I once again tread the narrow path of dawn.
Clear-sighted, with a lighter chest.
All psychopomps must return alone.
An origami of light and shadows.

sábado, 27 de abril de 2024

A Raiz Azul dos Sonhos


Com os olhos fechados,
Perdido em escuridão líquida,
Outros mundos em sussurros se descortinam.
Encontro-me pairando em vastidão sem forma
No infinito amniótico
Onde os começos se dissolvem,
Pulsando transformações como marés.

Posso sentir algo em mim mudando,
Os estertores de alguma morte desigual.
Estou translúcido para os dissabores de tudo.
Ouço notas que parecem reverberar mais longe
Sugerindo alguma unidade a muito perdida.

Minhas mãos se estendem como capilares invisíveis.
Posso roçar as pontas dos dedos no incognoscível,
Traçando a raiz azul dos sonhos
No primevo movimento esquecido.
Daqui brotam os etéreos alicerces
De tudo que é significativo
E de tudo que é real.

Estamos prenhes de motivos e sentidos
Apenas enquanto presos nestas teias do lembrar.
Ainda assim nossas vozes ecoam breves
Por entre este vácuo sideral ocupado
Pelo interstício de nossas horas,
Pela finitude de nossos risos.

Sombras difusas rodeiam-me.
Os olhos abrem-se novamente.
Trilho a estreita rota da manhã.
Vistas claras, peito leve.
Todos os psicopompos precisam retornar sozinhos.
Um origami de luz e sombras.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Apenas alguém


Algo perdura apesar dos anos.
Reenceno os mesmos momentos
Como se uma meditação fosse,
Mas foi eu que fechei as portas
E fui eu que voltei-me para o Oeste.

Lembranças e palavras ainda reverberam
Silentes e solenes, rasgando as pretensões.
Algo belo e importante ficou para trás
E por mais que o mundo gire,
Que os meus pés se despeçam,
Que tenha feito sentido partir,
Algo de mim ficou para trás.

Estou disperso no tempo e no espaço.
Não encontro unidade no sentir.
Por mais que as partes façam sentido,
O todo é estranho e alheio sem você.

Eu privei-me do meu lugar
E agora não sei mais aonde estou.
Espero que os anos tenham lhe sido gentis,
Mais do que eu poderia ser.

Não és estrela idealizada,
Nem dista em horizontes impossíveis.
És algo concreto feito abstrato
E agora lembrado com dor.

Apenas um alguém que um dia conheci.
Apenas um alguém que um dia me conheceu.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Tétis

Os pulmões se reinflam após o interstício do silêncio.
Os alforges finalmente ao chão.

Linho branco recobre os móveis.
A poeira pode sempre ser varrida
e os cacos ainda podem ser colados.

O possível brota timidamente dos cantos.

Calejadas mãos repousam sobre o leme.
A tempestade se cala lá fora.

Por anos navegando uma rota errada
Usando os mapas e os meios
de algum outro alguém.

O oceano é vasto o suficiente para nele se perder
e o oceano é vasto o suficiente para nele se encontrar.

As ondas não dissuadiram Odisseu.

Vazio Celeste

Rompido o fio, desfaz-se a trama,
Uma pluralidade desconexa de pessoas,
Reunidas apenas por uma mesma origem helicoidal.

Sentimo-nos tentados a enaltecer o passado,
ressignificar a inospitalidade do presente,
mas na nua realidade das coisas
houve beleza na mesa posta do café,
nos dedos tão longevamente entrelaçados,
no chá que pontuava as noites.

A horta e as samambaias entreolham-se em silêncio,
Os nossos olhos agora molham os dias.

Albedo

A alteia negra e o rouxinol,
Ambos engolfados pela escuridão,
Ambos indistintos no albedo
que reluta em revelar a luz.

Nos fragmentados arredores
e por desconectados corredores,
aflora o mimetismo incauto
dos espelhos distraídos.
Distorcem a natureza elíptica das coisas.

Eu acredito no nada.
e nas suas convicções estéreis
e nos reduzidos limites do possível.

... mas é a ficção que estrutura a vida,
alinhando trilhos invisíveis em direção ao amanhã.

Ancorado no discernimento,
Um a um os malabares caem ao chão.

Como começar a contar novas estórias
quando todos os nossos livros estão em branco?

Splendor Solis

Os dedos se fecham sobre o arame farpado
Desde a plácida Aurora rubra
Até a inquietude Magenta do Ocaso.

Com as costas dadas para o cálido Sol,
Procuro estrelas na escuridão das sombras.
Eu sou a face tímida da Lua
Contemplando a fecundidade sóbria da Noite.

Os deuses sussurram em nossos ouvidos,
mas não é possível os ouvir por entre as palavras.

Érebo

Tu afogas todo o brilho das estrelas
ou meramente as esconde por entre as dobras do seu manto?

Teus braços esticados resvalam nos confins do universo.
Dedos enegrecidos com a tinta das partituras celestiais.
Um artíficie perenemente oculto, mas ainda assim presente.

Agora confinado nas profundezas do Tártaro
e banhado pelas águas do Esquecimento.
Uma Força colossal latente
tão ignota de sua magnitude cósmica.

Tu és o outro lado dos buracos negros,
a matéria escura que encadeia as equações e cânticos.

Ó grande deus adormecido,
Consorte da traiçoeira noite,
Pai verdadeiro do Dia,
De tua amplidão desoladora,
brotam as raízes do possível!

Que o meu silêncio seja a sua palavra.


Dragas

É o peso que sulca os caminhos e discerne as direções.
O chão carece do sentido que no horizonte abunda.

Dentro dos gravetos existe a raiz efêmera do fogo,
mas ainda sim cedem ao apelo das botas
com seu marchar decidido e sua violência orquestrada.

É a tensão que nos remete do impreciso para o exato,
como se as cordas de nossa própria existência
fossem por um demiurgo puxadas
para nos afinarmos ao uníssono desespero do mundo.

A escuridão sucede o silêncio.
Ausência e apatia amalgamadas
de forma singularmente perene.

Em meio aos nossos pesares privados
suplicamos por meio do subtexto e do silêncio
por uma plateia e por aplausos
que validem nossas dores
e os nosso tantos amores
tão estupidamente burgueses.

Nós somos o sal e somos Cartago.
Somos o intransponível Rubicão transposto
pelos pés de um melhor César 
que há de um dia vir.

Solstício

Venha com o furor de um Sol nascente,
delineando nas sombras tênues
os limites imprecisos do possível.

Venha devagar ou rapidamente,
com o anseio lhe estufando o peito,
sabendo que estas ruas estão abertas,
mas sem um algo que lhe indique a direção.

Com os passos apertados,
Com sua cabeça pendente,
Com o peso que lhe é cabido
Sobre os ombros repousado.

Venha cedo ou venha tarde,
mas por favor de alguma forma venha.

Para trazer a luz de um novo dia
e cerrar as cortinas
sobre a noite que existe em mim.

Oração Para os Suicidas

Você levantou o véu
buscando o conforto nas promessas de um novo mundo
e, sem saber o que o outro lado lhe reservava,
foi recebido solenemente pela Escuridão.

Como os antigos navegadores,
procurando novas rotas para as Índias,
você também buscava um caminho
através do qual os seus pesares
não mais lhe pertencessem.

Seu norte já não era verdadeiro.

A dor lhe impulsionou
para muito além da cartografia do conhecido.
Você esteve sozinho em seu momento mais escuro.
Ninguém testemunhou a vastidão de seus oceanos
ou a sufocante altura da sua solidão.

Suas falésias foram esfaceladas pelo tempo,
cinzeladas pela constante repetição dos dias
e, em seus diminutos horizontes,
o único passo possível seria o derradeiro.

O meu coração é tão pesado quanto o seu.
As minhas esparsas preces lhe pertencem.

Aquela velha parede foi pintada de branco.
Nossos nomes, com gesso e telha escritos, foram apagados,
mas eu estou aqui e você não.
Em nossa corrida em direção ao infinito,
eu não esperava o segundo lugar.
A sua ausência não me passa desapercebida.

Que o seu coração seja como a pluma,
Que os seus passos sejam largos,
Que o seu caminho esteja cravejado por estrelas.
A sua jornada ainda não acabou.

Serpente Alada

Munido de asas, eu posso tocar o infinito.
Deslizar os meus dedos por entre vastidões estelares
e beijar as mil faces de deus.

Como uma serpente, em ciclos e círculos,
rompo a segunda pele, renasço em frágil carne.

Nas trevas circundantes,
não existe sentido,
não existe direção.

O feixe de luz é o caminho,
A ponte que se desfaz atrás de mim.

Como um nó que perpetuamente se aperta,
Como o abraço que jamais se aparta,
A serpente alada traça o seu caminho
nas mais oblíquas latitudes do possível.

Descascar o mundo para em seu centro
encontrar apenas a iridescência cega do desejo,
inundando as ruas,
convocando a mariposa às chamas,
sussurrando violentamente o indizível
nos ouvidos moucos da solidão.

Escumas do Tempo

Obscurecidos pelas escumas do tempo
Como a madeira trazida pelas águas
E abandonada em areias de alvura impossível.

Estaticamente esperando em arredores mutáveis,
Contemplando uma geografia redefinida pelo invisível
Como o tempo, o vento e a circularidade infindável das marés,
Cinzelando os costões mais altos e belos
Nas regiões mais limítrofes do Real.

Desbastados do infinito por mães gentis.
Renascidos no Indizível pela terceira Parca.
No Princípio havia o Verbo
E no Fim não havia Nada.

O grande vão da vida


Observo atento
as expressões e os gestos
de quem não está mais lá.

Em um jogo de alento
que se esvai por entre restos
de quem eu iria me tornar.

Refuto teorias
com toda a idiossincrasia
dos que resistem a se entregar.

Vejo agora com a clareza
de quem um dia se calou.
Pairei além de incertezas,
fui refeito do pouco que restou.

Eles ergueram paredes
para então as derrubar.
Jogaram suas redes
para somente eu as rasgar.

Lançada a semente
no grande vão da vida,
entrego o meu soldo
e fecho a ferida.

Fui um número em uma fila,
mas hoje sou um homem em um mar.

Passageiro

Preciso morrer
Para renascer das escumas e escombros
De um velho eu.

Eu me trouxe às bordas do mundo,
Mas não pude transpô-las.
Eu acedi ao afiado fio,
Mas não consegui libertar a carne.

O ponto estático ao centro é o berço do infinito,
Onde perpetuamente reencenamos nossos erros.

Contemplando o Oeste com olhos de adeus,
Renascendo ao Leste com propósito renovado.

Endereço

Um estranho conforto paira sob a rua
Fazendo as folhas rufarem mais devagar.
Uma chuva fina cobre os carros.
A luz refletida é débil e torta
Mas perfeita em sua fragilidade.

O cinza recai sobre as superfícies
Tornando rombudas as pontas e quinas
Em que insistimos tanto em colidir.

Os cacos são grandes o bastante para serem colados.
As feridas podem, apesar de tudo, ser curadas.

Nós carregamos o peso do mundo
Pois tememos flutuar pra longe
Sem um algo ou um alguém que nos impeça.

Não nos resta nada,
Só esta rua arborizada que se entende
Do infinito aos nossos pés.

Os carros passam devagar.
Ao fundo um pássaro canta.

O sinal esta verde
E todos te esperam passar
Por esta rua de mão única
Chamada solidão.

Pairando Alto

A inquebrantável
Unicidade de propósito
Sustenta, por si só, o seu voo.

Asas que jamais retrocedem.
Penas que jamais se apequenam.

Enquanto suas garras
Estraçalham a carne,
Os seus olhos estão voltados
Para seu ninho
Construído em altura extrema
Beirando as bordas do infinito.

Contempla o falcão
A natureza doce de sua presa?

Saudade

Calo e relembro dos tempos de tempos atrás.
Preso na sutil teia de memórias
Reconstruo momentos cotidianos
Agarrando os ecos do passado
Como se estes fossem vida.

Avolumam-se as brumas do lembrar
Intensificada pela quietude dos nascituros.
Nós nos jogamos em direção ao passado
Propulsionados pela dimensão estéril da dor.

Os rios correm ao contrário.
Nosso destino derradeiro é a vida.
Testemunhamos o nascer da inocência em nossos corações pesados.
Sem um adeus, o presente se distancia na janela traseira do carro.

Nós nos revertemos ao centro.
Nos desfazemos para sermos completos.
Nossa existência é uma afronta ao uno e ao indivisível.

Se existimos, existimos sós,
Dentro dos limites torpes e sinuosos
De nossa intransponível solidão

Corpos Imperfeitos

Linhas invisíveis.
Estranhos atratores.
Um magnetismo falho permeia o nosso meio.
Vetores que se confundem
E que não resultam
Em direcão ou magnitude alguma.

Tudo gira sem aparente nexo
Em um eixo que nos tange e foge
Com simetria e razão disformes.

Da matemática de nossas vidas
Subtrai-se o absoluto e o perfeito.

O Silêncio que Sucede a Música

Tão gasto e desbotado como uma nota esquecida
nos bolsos de um velho casaco,
mas ainda sim, com algum valor.

Eu aliso a pinturas das paredes
descascando a tinta dos cantos
para camadas ocultas revelar.
Mas o tijolo e o concreto nunca alcanço.

Ouço o ranger débil das dobradiças e fechaduras
perturbando a notívaga unidade do sono.
De olhos fechados eu enxergo tudo que ao Limiar escapa.

Jogamos nossas cabeças para trás
quando a ciranda repentinamente se acelera.
Nós somos a tolice desses céus borrados
sustentados tão somente
por pés desorientados e recalcitrantes.

Por isso escrevo o meu nome
em troncos seculares
para escapar da minha finitude.

Nós somos o silêncio que sucede a música.
A palavra que escapa da garganta
para morrer indiferente na multidão.

Nada nunca muda.
Nada nunca nos mudará.

Os nossos reflexos estão desbotados.
Nossas sombras se apequenam
perante à transfixa Aurora das Dores.

O Infinito cretinamente nos perpassa






... e ficamos para trás
como crianças desgarradas
tateando em vão na escuridão
em busca de um alguém
que nunca esteve lá.

Efêmeros

Outra onda,
Outra pegada apagada.
Estórias interrompidas
e outras tantas inacabadas.
Quem vai, por fim,
se lembrar de nós?

Em folhas amarelas
e em páginas viradas,
Por quanto tempo devemos
esperar aqui sós.

Em horizontes longínquos,
Além de intanģíveis morros uivantes,
Pra sempre consumidos
por um desejo atroz

Por um algo que espreita e paira
Muito além do reto caminho,
a poucos centímetros
ou a quilômetros de nós

Mas nossos braços curtos
e nossos desejos dissolutos
Hão de nos guiar como um velho farol.

Velejo com a tormenta
em meio a oceanos profundos
Em direção ao mais solitário Atol.

Sobre as areias mais finas
e sob a indiferença divina,
Quem poderia um dia se lembrar de nós?

Tudo é tão impermanente,
Nossos atos tão inconsequentes.
Os pés que tocavam a areia,
Já não tocam mais o chão.

Quem vai, no fim,
se lembrar de nós?

De nossos rostos sem forma.
De nossos corpos sem peso.
Do vazio que delineia o átomo.
De nossos corações incognoscíveis por Deus.

Camisas Verdes

Ruas amplas,
Peitos largos e
Passos fortes.

Uma marcha que oprime os poucos
e exprime a razão de loucos
numa página virada e amarela
de nossa história azul e verde.
Entre indistintas monofonias regurgitadas
de horizontes e possibilidades reduzidas,
Tudo parece simples e possível.
Tudo se endireita.
 Tudo se estreita.
Tudo, de forma tão direta, mente.

Por trás dos olhos azuis de meu avô
brilharam intensamente as labaredas do ódio,
mas nada brilha por trás dos meus.



Ex Machina

Abrem-se as cortinas.
O palco revela apenas uma cadeira
sem alguém que lhe ocupe.

Luzes traseiras projetam longas sombras retilíneas,
traçando do chão ao teto uma via sutil e sacra
por alguém jamais trilhada.

A vítrea pele dos relógios
refletem a aflição nos olhos estampada.
Corações e engrenagens pronunciam-se desordenadamente.

As asas mecânicas nos falham.
As nuvens cenográficas são por demais pesadas.
As auréolas dos santos eram apenas luzes de halogêneo.

Mas certamente há de vir alguém
cuja presença anestesie nosso incômodo.

Certamente há de vir alguém
que justifique a nossa espera.

Fragmento de Música Perdida

Siga o riso,
siga o choro,
siga o rastro da manhã.

Siga o sábio,
siga o tolo
e me digas se és sã.

Siga o mundo,
siga o povo
ou o silêncio da maçã.

Siga tudo,
siga todos
e me digas se és sã.

Eu abri as portas,
eu olhei nos cantos,
me perdi em seus olhos
e contei os anos.

Muitos Filhos


Arrumo a casa
e ponho cada coisa em seu lugar.
Fecho as portas
e estendo as toalhas pra secar.

A antecipação,
mais do que nunca,
paira solta pelo ar.

Convites distribuídos
e colchões divididos.
Eles logo irão chegar.

Somente a reza os vigia nas estradas.
Como crescem e logo batem as asas,
mas seus feitos são coisas pra se orgulhar.

Suas comidas favoritas
e velhas camisetas descoloridas,
mas neste feriado,
infelizmente,
eles irão trabalhar.

Lírios Selvagens



Preciso aprender a precisar de menos.
Encontrar repouso e força
em solo fértil,
sonhos firmes
e futuros mais amenos.

É como se fôssemos lírios
prensados entre páginas amarelas
de antigos tomos de biologia.

Esta jamais foi a clareza sincera que queria.

Promessas não cumpridas de amor e vida.
Apenas contornos quebradiços
com toda sua vitalidade esvaída.

Eu não preciso de muito e não preciso de tudo
que contemplo em meu longo caminho pra casa.

Sobre folhas caídas e noites mal dormidas,
aos poucos reencontro no mundo a sua graça.

Impelido pelo furor
em direção a novas paisagens,
sigo sozinho em busca
dos mais belos lírios selvagens.

Tétis

Do centro em direção às bordas, teço pontes
que continuamente se esfacelam e caem
antes de alcançarem o perímetro almejado.
Nada mais me sustenta.
Nada mais me suporta.

Tão distinto e distante das dores do mundo,
como uma roda que freneticamente gira
sem tocar o chão.

Se dessem-me um ponto de apoio,
eu não moveria este planeta
ou outro astro qualquer.
Poria em movimento
as engrenagens pesadas do meu coração.

Impulsionaria-me em direção aos outros
quebrando a clausura onde habita a pupa,
parindo cor em um mundo de matizes cinzas.

Com a cabeça baixa e ensimesmado
ou com a cabeça erguida e insensibilizado,
Orbito pateticamente em torno de um vórtice negro
que penso haver em mim.

O senso de toque acentuadamente se atrofia
enquanto resplandeço e pairo
afogando-me em um oceano de solidão.

Trifolium

Pensei ter visto algo,
um algo que não estava lá,
concedendo-me o beneplácito régio
de, ao menos por um instante,
habitar em alturas rarefeitas
e sonhar.

Na infinitude de outros trevos,
num jardim que se estende
entre o espaço que separa
os inícios dos começos,
pensei ter visto um algo,
um algo que não estava lá.

Uma porta que se abre.
Uma mão que se estende.
A folha que me falta.
Um vazio que se preenche.

Qualquer coisa que me eleve
além dessa vida trifoliada.

Alambrados

Os balanços movimentam-se sozinhos na memória.
Ferro, madeira e risos mesclados
em incontáveis e indistintas tardes
que padecem plenas sob a luz tênue
dos primeiros pirilampos.

Os dedos se fecham nos elos do alambrado
erigido solene sobre o cemitério da infância.

Nossos rostos são acariciados
pelos patéticos beijos
de Sóis de outrora.

Somos eternos espectadores
de um filme que se esmaece e esvai,
mas nossas mãos permanecem sobre
a grade do alambrado,
atendo-se firmes
quando tudo que nos resta
é a luz de vagalumes intangíveis
pontuando a plácida escuridão.

Fraturas

Na porcelana que cai,
uma unidade que se divide
e um valor que se subtrai.

Os cacos se multiplicam e se distanciam
como uma símile microcósmica
dos primórdios de um universo.

Todo começo
marca o fim de um algo
ou de um alguém.

As feições fraturadas
da boneca chinesa
olham estrabicamente
para uma porta
e uma outra além.

Intransponível

A cortina de miçangas pende mais longa
sem que jamais toque o chão.
Com peso leve e aparência diáfana,
mostrou-se intransponível
Como César dando suas costas ao Rubicão.

Posso ver no outro lado toda luz que brilha
Difusa nas paredes, filtrada por janelas,
mais quente do que se pode ser
na grande sala tão repleta de ausências.

Eu não estou lá
e tão pouco estou aqui
atrás da cortina que tudo esconde e revela.

Sombras perpassam simples os limites
com a dádiva da bidimensionalidade,
Não dando o apreço devido
às nossas translações
e elocubrações desnecessárias.

Ariadne se atém com força e o fio rompe.
Ela não encontra a saída,
mas as miçangas rolam livres
como sementes de romã
clamando pelos lábios de Perséfone.

O Estranho Atrator

Como o pode o Sol ser tão claro
em um dia tão frio e cinza como esse?
Somos remetidos a algo divino e débil
que nos confronta nos recantos dos espelhos.

O exército de manequins em sua marcha estática
equidistam uns dos outros na largura certa
dos braços que lhes faltam.

Tudo ruma de forma inexorável ao centro
sem que nada nunca chegue lá,
Como se um estranho atrator
puxasse as linhas do invisível
para se fazer presente
nos espaços recém desocupados
e no torpor recôndito da solidão.

Exumemos os corpos dos deuses
para com seus ossos erigirmos
nossa morada.

Resplendor

A estrada de terra e areia cerceia o rio.
Casas cada vez mais esparsas 
fazem paralelo aos trilhos uniformemente espaçados
enquanto o mato e o nada engolfam o resto.

Nossas vidas se desfazem
como costuras soltas puxadas
pelas meticulosas mãos do tempo,
mas o minério flui constante
do seios da terra até os costões do mar.

As pessoas se dobram e quebram pelo caminho,
mas o ferro suporta todas as coisas
e o ferro galga todas as distâncias.

As pequenas pelotas de minério caem por entre os trilhos
e brilham sob o sol do meio dia como estrelas 
de um firmamento invertido.

Somos como deuses ao avesso, 
nossos nomes conscritos
nas finitas páginas
do Livro dos Dias.

Odisséia

Todo silêncio suplica por respostas
quando os lábios dos ídolos já não se movem mais.
A apatia do Olimpo foi o berço da Razão.

Mas nos escuros e longos corredores
de nossa mente bicameral
ainda ecoam o largo riso de deuses
como espumantes ondas a se chocarem
nos arrecifes da loucura.

Como retornar à Ítaca
se a razão nos priva do sentido
e o sentido nos priva da razão?

O Trono está, pois, vazio.
O Anjo esconde a sua face.
O véu pende mais pesado do que antes.

Nossas preces são levadas
pela radiação cósmica de fundo
até os limites longínquos do Universo
onde celebramos nossa magnífica irrelevância.

Macaé

Eu bato à porta pelo lado de dentro.
Penduro as chaves pelo lado de fora.
Este é apenas outro canto onde a poeira mora
e que insistem em chamar de meu.

Não estando lá, tampouco estou aqui,
a muitas milhas do lugar onde devo dormir.
Eu não quero ficar
E eu não sei como sair.

Pois chegar virou sinônimo de partir,
partir-me em migalhas
que ficam pelo caminho
para marcar a direção de casa.

"Aqui" é apenas uma variável
definida em função do tempo.
Já não sei mais se volto,
Já não sei mais se vou.

Por isso espero "aqui" sozinho,
pelo mês que me levará pra casa,
entre pastos e duplicações de via
transcorrem os meus últimos dias
nos quilômetros que separam
o Rio de Macaé.

Oneiroi

Segue do abismo as mãos sombrias que abrem a porta
Caminho cravejado de estrelas e lágrimas
Onde o Infinito nos toca.

Em espirais, ao centro sempre a orbitar,
Revelando seus doces subterfúgios
Enquanto a manhã não vem nos separar.

Enlace efêmero, tão intoxicante e verdadeiro,
Ao menos para esta alma que se esqueceu
do que havia lhe sido revelado primeiro

Não importa o quanto doa e o quanto ainda dói
Seremos sempre Oneiros de Oneiroi.

Golem

Pequeno,
mais do que pensara ser,
tateando feridas na escuridão.
O translúcido amplexo da falta não se aparta
e tampouco deixa-me partir.

Tomo forma.
Delineio em meu rosto
novos sulcos e novas expressões.

Observo calado
dioramas de vidas
dentro das cercanias do possível.
Os dissabores lhes lufam as velas
e anseiam logo por um algo além.

Como criaturas sem criadores
e como criadores sem suas crias,
contemplando todo o peso das escolhas
projetadas nas longitudes plúmbeas
de horizontes equidistantes. 

Cerração

A serra segue o vale.
Através do rio, o céu toca o chão.
Pelo caminho eu cerro os punhos
entoando uma última oração.

Em feridas a terra se revela.
O vermelho de uma amarga ilusão.
"Todos se esqueceram dela", sussurrou,
"Fogem do que no fundo são".

E eu não sei mais o que hoje sou,
mas estas ruas ainda são tragadas
pela mesma cerração.

Fundações

A princípio ignora-se o som,
o inconfundível estalar das coisas prestes a partir.
As paredes então se riscam com fissuras
que agora, no silêncio, espreitam o colapso.

Diz não querer ficar, tampouco sabe como ir,
querendo estar em qualquer outro lugar
do que nesta morada prestes a ruir.

No silêncio existe dor,
no horizonte compaixão.
Sob este teto há o conforto.
É mais fácil dizer sim
do que em escombros gritar não.

Tudo repousa em um equilíbrio frágil
de um jogo de peças que não mais se encaixam.
Eu queria que tudo fosse fácil,
mas no escuro mãos tateiam em vão.

Celebração

Segue o Sol
em seu silêncio
sendo sempre
sonhador.

Segue o céu,
sua semente,
sempre certo
de seu esplendor.

Sentimos sempre
sua essência
celebrar
serenamente.

Seu sucessor
a sonhar sua
semente.

Imaginários


Justaponho cacos
e outras coisas pequenas que brilham.
Luzes fracas furam a noite,
adornam as paredes como
pequenas estrelas de estimação.

Uma penumbra plácida me envolve
em um diminuto mundo de livros e fotografias.
Ouço sons que tocam a alma.

Neste santuário protegido,
as janelas se abrem para a vastidão.
Declamo palavras secretas
e errantes sombras se erguem.
Galopo em sua direção.

Ceio uma vez mais
entre velhos amigos.
Brindo-lhes,
estendo-lhes a mão.

Eles conhecem meu nome
e possuem minha afeição.
Despedimo-nos com gestos e símbolos,
pensando nos dias que um dia virão.

O Sol desponta no horizonte
e tudo está bem.
Rompem-se as barreiras eqüidistantes,
um círculo de Mistérios.
Dor,
não existe vida sem.

Paredes Altas


Renuncio as asas
e com os pés toco o chão.
As coisas abstratas,
não mais me guiarão.

Renovada a força,
mas bem perto de ruir.
Esqueço sonhos, luzes foscas,
um novo forte a erigir.

Suas muralhas elevadas
hão de me prender
nas noites delicadas
em que anjos querei ver.

solo fértil, raio fúlgido,
finco mais raízes.
Tão desperto, em mundo lúcido,
abandono diretrizes.

Reentro novo
em terras tristes.
Uma estrada longa,
mas que existe.

Apogeu


Com passos toscos tento prender
a linha que separa a água da areia.
Com Indifereça indelicada,
a colcha de águas serpenteia.

Os pés afundam rápido,
a linha imaginária os volteia.
Se ao menos me arrastasse,
tocaria seios rijos de sereia.

Eu queria apenas fixar o momento
e parir na ausência de movimento
a clareza que me falta.

Dar nomes a todo e cada tormento
e estar para sempre isento
da imprecisão que sobressalta.

Traço grandes linhas na areia
para redefinir a geografia de um Eu.
Olho atento a grande onda que arqueia
destruir meu castelo em meu apogeu.

intruso e ferido persisto.
Onde os elementos se encontram,
serei eu um dia benquisto?

No Silêncio


No momento mais lúcido me encontrei sozinho.
caminhando por trás de luzes fortes.
O mundo se abriu
como um livro que não possui respostas.

Em cada rosto vi um sorriso ou seu vestígio.
As ruas ficaram largas.
Costas curvadas se fizeram eretas.

Cada coisa encontrou seu lugar
na plenitude de um momento perfeito.

Eu vi o tempo revelar uma sábia face
benfazendo em silêncio,
suturando as dores do mundo.

Meu coração se encheu com música
que ecoa por entre os salões celestiais.

eu estava sozinho,
mas você estava lá.

Tertium Non Datur ( ou O Princípio do Terceiro Excluído )


Tudo segue sua órbita,
super-estruturas
e nexos causais,
como máquina bem lubrificada
que prescinde o entendimento.

Preposições se encadeiam
em um jogo de elegante eloquência,
constituindo alicerces,
delineando matematicamente
os contornos de mundos possíveis,
onde a imprecisão é o confortável
esconderijo da mentira.

Revela-se na alternância
dos valores de verdade,
os sinuosos labirintos
dos argumentos capciosos
de um coração.

Por que nesse universo
de silogismos irredutíveis
deus é uma tautologia
e eu uma contradição?

Impermanência



Hoje joguei fora os meus livros
e me despedi de uma boa parte de mim.
O armário vazio caçoava-me
por ter desistido assim.

Eu olhei os cantos
e medi com o palmo as paredes.
Eles eram tantos
e agora só me resta a sede

de preencher o vazio
com a insensatez de um algo novo,
sentir o ardor e o frio,
entregar-se a mais um outro jogo.

Com anseio espero
mais uma vez o armário se encher
para que novamente
seu conteúdo eu possa perder.

Nada carece de sentido
na impermanência.

Sumir, Sonhar e Ser


Sumo sempre cedo,
solipsismo sendo o centro.

Sobra sempre sombras
sobre santos céus cinzas.
Sonho ser somente
seguro no sossego.

Estetas sabem ser sozinhos.
Somente somam à sua essência
sombras secas sobre soltos sonhos.

São sensatos em serem superficiais,
sem suturas, sem sintomas, sem sinais.

Sumir e Sonhar.
Sonhar e Ser.
Nunca mais e tudo isso.
Tudo isso e nada mais.

Pois serafins também sujam suas seis asas
com o cimento seco das cidades desiguais.

Gritando em Catedrais


É sobre ser pequeno
e ser pisado
quando os que passam
preferem olhar pro lado,
sentados em bancos
duros, retos
e enfileirados.

É sobre ser mandado
levantar, sentar
e ajoelhar-se calado,
prestando obediência cega
aos intermediários
exaltados.

É sobre ouvir resignado
aos credos fabricados
sobre um algo maior
acobertado.

Dedo em riste finalmente levantado
por todo o sangue derramado.
No terceiro dia ninguém foi acordado.

Gritando para o alto em catedrais.
A hemofilia estampada nos vitrais.
O sangue corre e não se estanca mais.

Grades de Arame


Sobre este abismo que entrincheira
queria ter podido estender a mão
antes que um de nós caísse.
Porém esconde-se atrás de plumas
e do eco das palavras que não disse.

Não esperaria que olhasse
para trás e me visse,
mas eu talvez estivesse lá.

Com a mão estendida para o vazio
sob a fina chuva de possibilidades esvaídas.
Sabendo ser agora tarde,
com meus passos incertos em
estradas impedidas.

Os dedos se fecham ao redor de grades.
Olhos se perdem na distância doída
de ansiar pelas coisas que não se pode ter.

Em Silêncio



Queria tanto sussurrar
em seu ouvido
mentiras de amor,
mas eu duvido
que um dia eu vá.

Sua vida, seus erros
são livros que leio,
mas neles receio
não me encontrar.

Sua pele, sua boca,
seu jeito de louca
são frutos que nunca
eu irei provar.

Sinto a distância
e o puir das lembranças.
Esse sonho ridículo
a me afetar.

Eu odeio seu riso,
seu verso impreciso.
A sua memória
me fez chorar

Caminho Descalço



É a inocência que desarma.
A gentileza o que mantém.
Em seus olhos jaz a calma
que me tornou refém.

O frágil sobrepuja o forte,
aponta-lhe um coração.
Inseguro nasce o sorriso,
matiz rara de perfeição.

Apara a aresta pontuda.
Fecha este corte profundo.
E se tudo agora muda,
mudo também este mundo.

Não são as grandes maravilhas
que me fazem sonhar.
Escalo as mais altas montanhas
para um algo frágil contemplar.

Caminho agora descalço
porque o que mais temo
é te acordar.

A gentileza nos tornou grandes.

As roupas novas do Imperador

Palavras que seduzem e inebriam
correm pelo sangue como harmonias perfeitas.
Instigam asas imaginárias
a alçar vôo em novas alturas rarefeitas.

Ouço um nome ecoar por entre mil vozes,
sorrio por saber ser eu.
Sinto-me jogado às bestas ferozes,
pois este alguém se perdeu.

Quero acreditar no que dizem
e mergulhar no abraço frio da vaidade.
Ouvir elogios calculados
no vazio prolongado da maldade.

Pois sei que pelas costas riem
em jogo sujo de comiseração.
Suas conivências e conluios
semeiam exasperação.

Quero um mundo além do eu
e destas roupas novas de imperador.
Nada que avista aqui é seu,
no Reino somente impera a dor.

Movimento Imperfeito


É como cravar a faca ao peito
ao contemplar inatingível beleza.
Sinto o peso ao mundo preso,
almejo o martírio da leveza.

Flutuar acima dos sonhos
e com desdém ruas contemplar.
Olhos que somente diminuem,
mas nunca ensinam a voar.

Mas destes cacos intuo a forma
que o mundo há de um dia ter.
Quase tudo foge a norma
neste maculado renascer.

Trapaceio então em jogo
de possibilidades e alvas pretensões.
Virtude pouca é posta à prova,
mas sempre foram minhas as ilusões.

Ponho a mão no peito,
o infortúnio não se estanca.
Mais um movimento imperfeito,
uma chave que não abre a tranca.

Ecoam alto por entre os cantos
caixinhas de música
em silêncio suspeito.

Café Pequeno(Para Catharina)


Todas as manhãs você acorda mais só.
Levanta e faz seu café pequeno,
com os pés descalços
e com as medidas certas
ensinadas por vó.
O pão é dormido
e seu mastigar mais lento.

O horizonte restrito dos seus sonhos possíveis
não tem mais um espaço para mim.
Mais um nome entre outros substituíveis.
Nunca quis olhar de perto o fim.

Meus olhos te seguem pela multidão,
atrasada para chegar a lugar algum.
Uma Alice a procura de um coelho,
encontrou somente um lugar comum.

Dioramas de Almas (Indiscrição)

Para não se derrubar as paredes, as portas.
Para não reconstruí-las vez após vez, as chaves.
É reservada somente às janelas
o inglório papel da indiscrição.

Pessoas sentadas em suas camas
atentas apenas ao microcosmo de suas dores.
Podem estar alheias ao mundo,
mas nunca do mundo alheias.

Reconstruir por sinais e signos
a plenitude da persona em sua imensidão.
Pequenos dioramas de almas
talhados pelo olhar casual da observação
(ou então talvez pela lente distorcida
de doentia obsessão).

Preenchemos os espaços vazios
com o que queremos ver,
deixando suspenso no fundo
o tão pouco que verdadeiramente podemos ter.

Construímos mitos usando pequenas intimidades roubadas,
evocando baixo por pessoas
por meio de suas imagens borradas.

Estas janelas são apenas espelhos
nos quais nos vemos nos outros.
Supreendemo-nos então com a familiaridade
em que este universo parece estar envolto
(eis aqui o verdadeiro umbiguismo míope dos tolos).

Não importa a casa ou comôdo onde estiver.
Não se preocupe em fechar suas janelas.
Ninguém no fundo pode saber
como o outro é.

Não Estando Lá

De relance olho pro vazio a se revelar.
Por pouco perco o momento
em que as pontas iriam se juntar.
Resvalo no sentimento incomodo 
de se estar no lugar certo,
mas de alguma forma na hora errada.

Eu tateio pelos cantos
para mapear aquilo que me escapa,
mas não existem linhas bem traçadas
nesta cartografia da penúria e da falta,
só os espaços onde o indefinido
de alguma forma deveria repousar.

Entrego-me ao um leve espanto
de saber querer um algo mais
que me escapa a mente,
mas que de alguma forma se faz presente
quando viro-me para trás
olhando para o nada
e encontro-me sorrindo
discretamente.

Inescrutável


Olho à volta com os olhos cansados
de quem acha saber
mais do que na verdade sabe.

Intransponível e introspecto,
Perco-me para reencontrar o meu espanto.
Reencenando movimentos silenciosos
em batalhas internas
e em sentimentos estranhos.

De braços abertos e pressionando o peito
contra a alvura fria das paredes.
Sinto apenas um coração batendo.

Eu e minha pequenez inconsolável
abrigamo-nos no seio
desta imensidão inescrutável.

Universo em constante revolução,
Desprovido de sentido,
Desprovido de razão.

Orando com o Trovão


A terra treme.
O céu se fecha.
Contra as paredes dos penhascos
as ondas martelam com o furor de deuses.

Antes que se pense
que o mundo terminou em trevas,
este céu se risca com brilhantes traços
que purgam a noite de nossas insensatezes.

Como resposta a um clamor oculto
pulsa no céu por um único segundo
as artérias do infinito.

E a luz dá lugar ao vulto
borrando os limites de um mundo
imerso na escuridão e no mito.

Pulou uma batida
o meu coração
ao sentir reverberar no horizonte
o estrondo alto e retumbante
de um poderoso trovão.

Empatia



Tento atravessar a ponte invisível
do mútuo entendimento.
Desequilibro-me ao procurar palavras
enquanto calço as pegadas de outros.

Desoriento-me com este olhar pra dentro
e busco além das palavras fáceis
as bases de um breve,
mas verdadeiro,
co-sentimento.

Afasto então as plumas da vaidade.
Dispo-me de um manto de mentiras.
Cristais vibrando em uma mesma frequência
compartilhando estórias de como se fizeram em pedaços.

As nossas guardas estão baixas.
Eis o ocaso de nossas diferenças.

Oh este andar em círculos
e este desviar de olhos!
Somos todos presas fáceis
para a compreensão alheia.

Incompleta


Como carcaça suspensa em uma linha de montagem.
Como partes soltas que se acumulam nos cantos.
Como as peças que faltam em um quebra cabeça.
Como esquecer a palavra que termina o encanto.

Ergue sua cabeça sobre uma multidão de rostos,
mas jamais encontra aquilo que espera.
Está presa em um sonho de veludo
em meio as mentiras mais sinceras.

Sentado sobre o capô de um carro
contemplo a vastidão dos espaços vazios.
Meu mundo se preenche de sentido.
Queria que sentisse este mesmo arrepio.

Mas sei que suas paredes são mais altas
ao redor de seu sorriso inescrutável.
O mundo te vê como estrela,
fria, distante e inalcançável.

Ouço as batidas graves e repetidas.
Eis a grande marcha e sua inexorabilidade.
De nada adiantaria reabrir estas feridas.
Linhas não perpassam nossa sinuosidade.

Afinal



Parado em meio à totalidade do mundo,
como veios de pedras que singram os montes,
congelo em um momento sepulcral.

Nesta quietude que silencia mistérios,
é possível tornar-se menos humano
e um algo mais atemporal.

Entre um mundo que respira sob estes pés
e um céu que restringe estes sonhos.

Passo as mãos pela grama alta
e encontro na escassez dos espaços abertos
toda a compreensão que me falta.

Era apenas uma arquitetura
de belas irrelevâncias,
quando se olha para o ínicio,
chegando no final.

Panta rhei


Este é o meu princípio,
meus passos em falso
e minhas primeiras tentativas.

Tudo então se intensifica, se transforma e transita.
Paredes se erguem, represas se rompem,
estranhos me seguem e sonhos se corrompem.

Ausculto meu pulso breve e logo a tudo permeio.
Abdico das dores e destes falsos amores.
Apago contornos para emergir indistinto,
desaguando renovado no recomeço que anseio.

Este é o meu princípio
meus passos em falso
e minhas segundas tentativas.

domingo, 21 de abril de 2024

Incurvatus in Se (Narcisismo)

Premia os braços abertos
com a sua ausência
e faz destes passos incertos
um alvo fácil
para sua crueldade
e eloquência.

Você diz que as águas plácidas
da solidão lhe bastam
quando um a um
os que vieram
vagarosamente se afastam.

Pois somente seus
são os afetos que traga.
Ao prescindir dos outros,
é a mão do esquecimento
que carinhosamente lhe afaga.

Nos muitos rostos, um só rosto.
Nos muitos nomes, um só nome
ecoando alto nos labirintos do desejo.

Veja o mundo desaguar em ti.

Nas Beiradas do Mundo


Sonhei estar nas bordas do mundo,
restaurando o balanço das forças
como criança se equilibrando
em suas brincadeiras.

Ondas mais altas que prédios
e precipícios mais fundos que ruas
no lugar onde as pontas
se amarram na hora derradeira.

Ouvi ressoarem trombetas
e os hinos de guerra
enquanto exércitos marchavam
sobre minha solidão.

Avenidas de asfalto
e ruas de terra
se entrecruzavam
em uma estranha comunhão.

Os infantes e suas espadas de plástico
brincavam irrequietos
perante os primeiros indícios
de escuridão.

O Fim Dissoluto de Tudo



Sem nada dizer, pois tudo havia sido dito,
as coisas se assentaram em seus lugares
e os pertences foram todos repartidos.

Algo no caminho deve ter se perdido.
Um aperto de mãos e uma última troca de olhares
para descobrir na distância o que nos havia acontecido.

No silêncio incômodo das refeições,
disputávamos sempre quem
terminaria primeiro.

O riso virou silêncio
e a paixão virou censura
em nosso jogo de enumerar os erros.

A estória se desnuda
em nuances que não queremos ver.
Nossas flechas estão rombudas.
Minhas feridas cicatrizam sem você.

Pensei ter te visto dobrar a esquina
em uma de minhas caminhadas.
Sem que tenha percebido, encontrei-me
caminhando em uma outra calçada.

Boaventura


São largos os caminhos,
mas tão vagarosos os passos.
Rostos vem e vão,
mas diferentes dos cometas,
eles não deixam rastros.

Olho a minha volta e sorrio,
pois o tempo cegou o fio das dores.
Na vastidão humilde do não saber o mundo,
existe espaço para melhores amores.

Comprimento a vida com olhares
e uma leve mesura de cabeça.
Ela me fala de seus planos
e o quanto quer que eu envelheça.

Apenas rio, calado e pensativo,
por saber que cada coisa tem seu tempo,
como as folhas caídas sobre o passeio
sendo aos poucos varridas pelo vento.

As Mais Nobres Intenções


Vivemos de certezas itinerantes,
contando as baldeações do saber.
A estrada nos faz ignorantes
na ritmada canção de nascer, foder, morrer.

São tantos os passos no chão,
e outros tantos ficaram para trás.
Queria rumar na contramão
e nascer sereno onde tudo se desfaz.

Esmagado pela certeza do intuir
que não existe nada mais que isso.
Um universo sem testemunhas
ou outras dimensões.

Somos apenas gloriosos pontos
contemplando o infinito.
Demos ao vazio a alcunha
d'As Nossas Mais Nobres Intenções.

Olhos de Mar



Sempre suspeito dos mesmos defeitos.
Eu não queria me mostrar.

Levo no peito meus planos perfeitos
que não iriam se realizar.

E do alto espreito
vestígios do que se foi.

Quando estive em seu leito
o meu Sol também se pôs.

É algo mais forte do que nós,
ser tragado
por um passado
enterrado
e atroz.

Espelho D'Água


A pedra rompe a superfície plácida.
Anéis concêntricos começam a se formar.
Eis que as pétalas da acácia
então começam a se afastar.

Vejo além do turbilhão do centro
a pesada pedra no fundo repousar.
Desmesura quieta em seu retraimento
sob águas que relutam em se acalmar.

Aos poucos tudo se afasta
deixando somente o caos em seu lugar.
Flutuar é uma alegria ingrata
que nos afunda ou nos faz errar.

As águas acariciam os pés do atirador
observando tão incauto e inocente
a calmaria do espelho d'água se recompor.
Mas nada é mais como antes.
Aqui não existe mais aquela flor.

Ponho-me a desfiar velhas mágoas
e relembrar do que Λάχεσις(Lakhesis) prometeu
Não vejo mais o seu rosto nestas águas
e tampouco quero ver o meu.

Que arremesem então mais pedras.
Que se turvem as águas como o breu.

Enlace

Tão desfiguradamente idealizada
e tão além de meu alcance.
Tão completamente desconhecida
e tão aquém de minhas expectativas.
Eis uma mentira que se sustenta
sobre os anseios de um coração.

Nunca quis desdenhar o que tenho de concreto
ou questionar o horizonte e amplitude
de meu melhor amor possível,
mas ainda assim sonho com você.

Foi apenas um abraço
entre a escuridão tonante.
Tragado do sono
por Aurora dedirrósea,
eu não queria mais dormir.

Em Catedrais Escuras

O vidro e o chumbo não são o vitral,
tampouco a luz azul filtrada
pela cena estática divinal.
É o erguer de braços para o infinito
e suportar as pedras e os anos,
prevalecer sobre a razão e o animal.

Quando os grilhões lhe tombarem a carne
quem irá lhe testemunhar o final?
Os nomes não se escrevem no livro dias
com o choro, gozo ou sangue,
mas com a angústia do real.

Formaldeído

Feito o corte, o coração removido,
em formol exposto e protegido.
A clareza do dia lhe recebe
com suas imperfeições e assimetrias.

Uma quietude maior do que jamais lhe dei.

Em suas cercanias vítreas
coroado rei.
Minhas costelas não mais o protegem,
pois eu lhe eternizarei.

Contentamento

O contentamento irá te dissolver
e transformar a sua significação
em nada mais que circo, vinho e pão.

Ele irá lhe aliviar as rugas
e abrirá portas e ruas
para muito além dos limites
de sua casa e sua nação.

Ele irá lhe roubar o peso
que alonga as sombras das coisas
e que projeta nuvens escuras
em sua imaginação.

Ele irá derrubar a dor
de seu pedestal de mármore
e tampará os cadafalsos
que lhe levam a solidão.

Você olhará os dias
em que pensou ser algo mais,
mas o martírio auto-imposto
fora apenas um trote,
uma cerimônia de iniciação.

Janus

No abrir e fechar de portas,
Na indecisão das bífidas vias,
Tua influência se faz presente.

No espaço intersticial da escolha,
Em prolegômenos e posfácios,
Tuas palavras podem ser ouvidas.

O frio que no estômago se sente
durante as grandes decisões
sinaliza a presença de um deus
cujos semblantes contemplam
a totalidade e o momento.
Todas as coisas lhe são fugazes,
como os ensaios de um movimento.

Olhos perscrutam
horizontes longínquos
sem jamais se encontrarem.

Reticências

Correr mais uma vez em seu Jardim
e da romã comer sementes
para ver o Sol nascer no fim.

Os meus pés descalços
e os pequenos percalços
fariam lhe lembrar de mim.

Em solo tão fecundo,
deitado sobre o mundo,
pra sonhar um dia ouvir um sim.

A palavra suspensa,
sem um ouvido que a pertença,
mas o seu melhor ainda vive em mim.

Inexistencial

Às vezes paro e vejo os rastros que deixei.
Pegadas leves,
indistintas.

Eu nunca clamei pela imensidão de grandes amores
ou entreguei-me cego à latitude oblíqua das dores.
Mantive-me sóbrio como uma cerimônia inglesa
após o padecer dos tolos anos,
mas nem por isso hoje sou mais sábio
e nem por isso hoje sou mais são.

Pensei que me encontraria
quando tivesse desemaranhado as linhas,
como alguma coisa rara
entre escombros escondida,
mas sou somente traços
que na areia se apagam.

Estando em todos os cantos,
não me encontro em lugar nenhum.

Elementais

Diminuo o ritmo
para reparar em você,
para reparar a mim.
Para ver-me uma vez mais
em seus olhos elementais.

Você preenche o vazio com adjetivos fáceis,
na cumplicidade contida das possibilidades.
Tudo parece se deslocar
ao redor de eixos desconhecidos.

Preso ao desejo torpe
do falar e do ser ouvido,
antevejo a tragédia.

Cresce a sensação de posse.

Primo pelo certo.
Descarrilho os trens.
Esqueço de você
esquecendo a mim.

Diametral

O momento se esvai.
Restam-me as correntes do lembrar
circundando a minha história a um presente
do qual pareço não conseguir escapar.

Como posso partir e começar um algo novo
estando ainda preso a esses velhos sonhos natimortos?

Tudo em círculos revolve,
pontuando a leveza do novo
com o familiar peso do passado,
mas ainda sim estou aqui,
de braços abertos,
peito exposto e ferido.
Eu encerro o momento em mim.

Preso na diametralidade dos opostos
e em minha condição humana,
só me restam estes joelhos a sangrar,
pois nenhuma asa jamais foi-me dada
para elevar-me em alturas sempiternas
onde o início finalmente beija o fim.

Dēmiourgós


Eu estico as mãos e lá estou.
Eu pouso os meus olhos
sobre as páginas que ainda virão.
Teço os fragmentos,
orquestro a dança insignificante
da significação.

Imponho ordem ao caos,
estruturo,
faço o novo.
Vou do princípio ao fim
e nas beiradas do universo,
reinvento-me e a tudo renovo.

Saúdo o Sol do primeiro dia
pintando minhas faces de dourado,
permeando a vastidão cosmogônica
de minha solidão.

Entre os cacos e os vidros, sangram vossos pés,
mas vossos horizontes tornam-se-ão menos distantes.

O fardo da escolha recai somente sobre os ombros dos fortes
e vossas costas não curvar-se-ão quando for-vos agraciado o mundo.

Instrumentos Toscos

Teu silêncio é pouco,
mas é algo que conduz.
Uma imensidão de veias
e é sua pele que reluz.

O teu brilho fosco,
nunca consolou ninguém,
só os seus filhos mortos,
suas promessas de vintém.

Reverbera o solo
em nossa solidão de dois.
Somos instrumentos toscos
afinados pra depois.

Nunca os primeiros,
nem os últimos a chegar.
Eu te vi em vermelho
e não quis mais enxergar.

Manhã

Sentada observas
as pequenas particularidades do dia
com teu sorriso sedutor
e tua alegria fugidia.

Todos um dia chamam o teu nome,
todos um dia assinam a tua guia,
certo como o Sol irá se erguer
pra saudar outra dor que nos viria.

mas tudo segue essa dança
e todos pagam o teu preço.
Isto nunca tratou-se do que é certo
ou do quinhão parco que mereço.

Este é o meu ódio
e estas minhas alegrias,
aos teus olhos perpetuamente expostos
em meio ao silêncio que se preencheria.

Em um manto bordado de estrelas,
o teu nome é Manhã.

Celestiais

Toma formas a escuridão
e passos incertos são finalmente dados
sobre planícies celestiais inférteis,
sob luzes estelares frias.
Tudo em meio à névoas pulsa
cintilando entre os cacos do real.

Cessa agora o movimento
de um mundo que não me basta mais.

Todos os caminhos levam à você,
ao enlace que jamais se concretiza.
As mãos se estendem sobre o abismo
e sob a dança destes circundantes astros.

Dois vultos vorazes se encontram
sobre as pontes rompidas pela manhã.

Antípodas - Homenagem a S.

Sua pele tem espinhos maiores que os meus.
para sempre trespassada
pelos passos e barreiras que ergueu.
Sendo sempre o muro e nunca o caminho,
a alegria em ti morreu.


Nunca possuindo alguém,
nunca tendo quem a possua.
Todos em seu rosto veem a solidão estampada crua.
Em sua via de pedras e dores, todos a sabem nua.

Sua tristeza não é mais bela
e seus dissabores não mais intoxicantes.
Arranhando as paredes do quarto,
pois nada mais é como costumava ser antes.

Mas saiba que eu sou você
à frente ou à atrás do caminho.
A circularidade da dor me tornou
a sua antípoda mais próxima
e seu mais distante vizinho.

Sobre homens e deuses

Derrubado o último ídolo,
sobro eu sobre os destroços da crença.
A sobriedade que sobreveio
amargou-me as entranhas,
mas encontro-me ainda
desejoso do engano

Pois nunca acreditei no homem
como luz redentora
para a escuridão circundante.

Por isso,
conjuremos asas doces
de láudano ou éter
em suas aspirais ascendentes
em rota suave e certa em direção
ao esquecimento.

No fim,
todas as luzes se apagam
e a palavra
também se emudece.

Caos

Sou a palavra que perturba o silêncio
e a silhueta que proporciona o medo.
Todas as coisas fogem do vazio estéril
do caminho do meio.

Tudo agora se arrebenta contra as paredes
até finalmente achar o seu lugar,
como palavras procurando as pedras certas
sobre as quais se arrebentar.

Tudo esfarela,
Tudo retorna a este pó
que ao Primórdio circunda.
Tudo precisa acabar.
Tudo precisa morrer.

Pois o turbilhão do Caos governa todas as coisas.

A Honestidade Estéril


Eu me disseco
com o bisturi em mãos
para saber como o coração me bate.

Tento descobrir se existe alguma alma
que se esconde por detrás das vísceras,
mas nenhum sopro divino deu-me vida
ou em meus pulmões habita.
A minha biologia é a do desprezo
que agora estendo a você.

Cortes tão profundos e desnecessários
análogos à dimensão do dolo.
Cá estou,
cortado, aberto e exposto.
Dou-me novamente conta
de como fui, sou e serei tolo...

e com honestidade estéril eu me recosturo.
Mais amargo e mais sincero.
Eu me faço mais vazio
para me fazer completo.

Crescer é estreitar o indissolúvel abraço 
entre o morrer e o viver.