Tudo flui.
Tudo se vai.
O vazio é tão recalcitrante.
As ondas agora lambem os meus pés
e eu não estou mais aqui.
Eu vim até às costas de um novo mundo
sem sequer saber o que esperar.
Vozes roucas.
Rostos indistintos.
Não importa onde esteja,
eu não estarei lá.
Sou filho de estrelas incertas e fugidias.
Meu brilho é oblíquo.
Minhas dimensões traiçoeiras.
Tudo reluz disforme na imensidão.
Há uma beleza aqui.
quinta-feira, 28 de novembro de 2024
Vácuo
terça-feira, 29 de outubro de 2024
Minefields
My skin is made of sandpaper.
My touch wounds and wears me down.
I have burned all the bridges
and severed all ties.
My universe is retreating.
I can inhabit my small world.
Familiar faces, touches and voices.
I survive by the ceremony of habit
wearing the cloak of customs
and a crown of solitude.
It’s all so comforting and suffocating.
I keep walking through these fields,
hoping to find battles and debris,
mines hidden or exploded,
any destructive force that might explain
the missteps pulsing inside my chest.
The teeth of the gears grind crookedly.
My springs can’t hold the coil anymore.
My clock hands follow only barren directions.
Everything swings so unevenly.
The wind wears me down like a sandcastle.
I have forgotten what secrets or virtues
these walls were supposed to protect.
A wave will certainly come
and level me to the ruins I meekly seek.
Chaos, the ruler of lightning.
( χάος κεραυνός κυβερνήτης )
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Campos Minados
Minha pele é feita de lixas.
Meu toque fere e desgasta.
Tenho incendiando pontes
e ceifado todos os vínculos.
Meu universo em retração.
Consigo habitar em meu mundo pequeno.
Rostos, toques e falas familiares.
Sobrevivo na cerimônia do hábito,
usando o manto do costume e a coroa da solidão.
É tudo tão confortável e sufocante.
Continuo andando sobre estes campos
esperando encontrar batalhas ou destroços,
Minas escondidas ou explodidas,
qualquer força destrutiva que explique
o descompasso pulsando em meu peito.
Os dentes das engrenagens rangem tortos.
Minhas molas não seguram mais a corda.
Meus ponteiros seguem somente direções baldias.
Tudo oscila tão desigual.
O vento me desbasta como um castelo de areia.
Eu me esqueci de quais segredos ou virtudes
estas paredes deveriam proteger.
Uma onda certamente há de vir
e nivelar-me aos destroços que busco.
Caos, o regente do relâmpago.
( χάος κεραυνός κυβερνήτης )
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Mariposas
Outro anzol perfura a pele.
Fios invisíveis conclamam-nos a arder.
Carretilhas distantes e dispersas
puxam-nos em direções opostas.
Algo há de se romper.
Há uma longa estrada cravejadas de brasas.
Pegadas fundas marcam as cinzas.
As labaredas consomem tudo,
o caminho consome todos.
Fumaça e fúria preenchem o horizonte.
Estas asas hão de queimarem.
Estes olhos já não enxergam mais.
Tão consumido pela dimensão do desejo
que de cinzas me mimetizo agora.
Que culpa tem as chamas de arderem?
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
Como Sísifo
É preciso saber habitar em nossas escolhas.
Tudo se interconecta, tudo se ramifica.
É impossível predizer o dano ou o deleite
nestas ruas se entrecortando incertas.
A cada esquina dobrada,
em cada rotatória tomada,
algo de mim fica para trás como migalhas
deixadas para que eu possa
um dia talvez me reencontrar.
Espalhei-me assim no tempo e no espaço
até não sobrar-me muito para mostrar.
Adernei-me sob o peso da saudade.
Encurvei-me pela gravidade da falta,
mas não faria nada diferente.
Falta-me estoicidade para admitir
que fiz tudo o que pude,
que minhas decisões alargaram meu horizonte.
Eu me privei. Eu provi. Fiz meu melhor.
Não fui sempre visto ou reconhecido,
mas estive sempre aqui,
cônscio como Sísifo imaginando-se feliz.
terça-feira, 15 de outubro de 2024
Ukemi
Pirilampos se refugiam ao primeiro vestígio do dia.
Nenhuma sereia habita nestas costas.
Não há mais espaço para sonhar.
A luz do dia incide plena e dura
revelando a dimensão verdadeira da vida.
Algumas coisas se apequenam
enquanto outras se agrandecem.
Tudo está meio fora de lugar.
Varro a poeira dos cantos.
Tiro os detritos de casa.
Guardo-me em tantas caixas.
Há tanto de mim para me livrar!
As janelas estão todas abertas.
Nunca tive meus olhos mais claros.
Toda dor que se leva no peito
há de um dia passar.
Eu aceito a lição das cicatrizes
e abraço a cumplicidade do comedimento.
Nunca estive tanto aqui como estou agora.
É preciso saber se levantar.
segunda-feira, 14 de outubro de 2024
Jasmins
Pelas janelas da sala,
pelas frestas da porta,
o cheiro jasmim invade a casa
enquanto espero o seu chegar.
Está tudo quieto aqui dentro
e tudo calmo lá fora,
os carros passam todos lentos
enquanto espero o seu chegar.
do trabalho que te engrandece,
com as meninas que adora
ou mesmo com as contas do mês,
espero ansioso o seu chegar.
Para que eu possa encerrar o dia
com o calor de sua companhia.
És meu porto, minha litania.
Eu mal posso esperar.
Tudo pode ser mais leve,
juntos caminhamos longe.
O jasmim há de sempre ser
o arauto de teu chegar.
domingo, 13 de outubro de 2024
Epidauro está em ruínas
As estrofes não traduzem
a realidade do sentir.
Erijo fachadas resistentes,
imagens e metáforas convincentes
neste amplo anfiteatro a ruir.
Escuto ecos de meus passos,
uma gagueira em meu guiar.
Revisito os velhos traços,
eu preciso me libertar.
Estou sozinho e nú no palco,
tão terrivelmente exposto,
um caminho invisível calco.
O eu nunca é transposto.
Minhas palavras belas e frias,
escrevo-as como um meio, não um fim,
mas as cadeiras estão todas vazias.
Não há ninguém aqui além de mim.
Pesares e amores individuais,
por mais ostentosos que sejam
jamais alcançam alturas universais.
Os versos dos outros não me comovem,
Rimas fáceis não me alvejam mais.
São minhas as palavras que destroem.
Epidauro está em ruínas.
Eu estou também.
Canções
e o pó removido dos cantos e dos móveis.
É possível consertar o que se quebrou
e suportar o peso das lições aprendidas.
Estas janelas serão abertas novamente
Para felicitar o resplandecer de um novo dia.
Ainda que esteja escuro lá fora,
são estas as canções que nos alegrariam.
Pontuando a solidão como vaga-lumes na noite,
Sinalizando a delicadas rota das manhãs,
O débil dedilhar das cordas
evocam as vozes que, frias, se emudeceriam.
O cheiro do jasmim invade a casa
por entre os vidros quebrados
e por entre as estantes vazias.
Os caminhos podem ser todos retrilhados
Sob o beijo suave do nascituro dia.
sexta-feira, 11 de outubro de 2024
Resplendor
tudo era permeado de graça.
Nossas brincadeiras juvenis,
o contagiante êxtase da vitória,
a solidariedade árdua na derrota.
A infância em todo seu furor.
Tínhamos certeza de que tudo estaria bem.
Havia cumplicidade em nossos andares
mesmo quando invadíamos as ruínas do abatedouro
ou quando subíamos nos caminhôes e nos sujávamos de terra.
Pedalávamos muito mais longe do que podíamos.
Nossos carrinhos de rolimã invadiam velozes o trânsito.
O estrondo da pólvora era a raiz do sorriso.
Corríamos sempre sem camisas na chuva.
O mundo ainda era vasto e repleto de mistérios.
Hoje, velho, revisito as ruínas da infância.
A calçada onde escrevíamos nossos nomes.
A única parede que da casa amarela restou.
Os velhos muros que costumávamos pular.
O grande barranco em frente a cajazeira se apequenou.
Apenas os trilhos continuam os mesmos,
sempre paralelos ao rio,
sempre transportando minérios e mineiros.
Eu os observo do alto da estreita passarela
com a certeza de ter perdido algo inominável.
Eu nunca hei de voltar para as ruas que chamei de lar
quando eu era apenas Daniel do morro do CESPE,
aluno do colégio Lafaiete,
neto de Maria Celeste
Eu hoje ando nos metros do Rio,
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
Cantus Firmus
Eu sou a sombra que se deita no Oeste.
Sou o vento que desfia os dias.
A gota que desbasta a pedra.
O silêncio da feitiçaria.
De meus passos brotam árvores.
Minhas mãos afagam os vales.
Meus olhos são duas estrelas frias.
O meu riso é o trovão.
Minha pele é feita de noite,
minha barba de escuridão.
Minhas costas suportam as dores
de todos inícios e da dissolução.
Minhas veias estão cheias luzes.
Meu coração aprisiona canções.
Minha cabeça toca as nuvens.
Meu silêncio é preenchido de orações.
Eu estou muito além de mim.
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
Em Ilhas
O sol, a areia e o sal ressecam os lábios.
Os destroços são levados pela costa,
vigas e velas já não servem seu propósito.
O fim ressignifica as coisas.
A violência transfigura-se em sustento.
O fogo transmuta-se em morada.
Os dias são contados em gotas.
A noite já não assusta quando estamo sós.
Tento decifrar qual o arranjo de palavras
permitiria-me ser finalmente visto.
Palavras doces, ásperas ou indiferentes
não sensibilizam o distante céu -
nenhum avião passaria por aqui.
Escrevo com areia e pedras
poesias para o horizonte,
sussurros segredos para o vento.
Minhas entranhas estão todas expostas.
Arremeso minhas palavras ao mar
em garrafas que certamente hão de se quebrar.
A água borraria minha letra,
As ondas me roubariam a nuance.
As pedras privariam-me de toda coerência.
Só ruído e estática chegariam
nas areias da praia em que queria estar.
Toda vitória é uma ilha.
terça-feira, 8 de outubro de 2024
Coágulos
Não quero mais habitar em meus versos.
Algo em mim há de mudar.
Não quero revisitar estas imagens rotas
formando um mosaico impreciso de mim.
Minhas palavras são afetadas e tortas.
Eu quero colorir além das linhas.
Faltou-me o papel e por isso escrevi em pele.
Faltou-me a tinta e por isso escrevi com sangue.
Eu estou do avesso agora.
Uma criatura transparente.
Não quero mais habitar nos meus versos,
tampouco quero ler as rimas fáceis
ou aconchegar-me em palavras doces.
Quero resgatar o inominável, o difuso e o perene,
dar-lhes forma, algo mais que o vácuo,
capturar o trovão como somente o ferro faz.
Meus olhos se aleitam como um oráculo.
Eu vejo terras e povos distantes.
Paisagens longínquas visitadas por meus pés.
Céus sangrando impossíveis cores.
Afeto benfazendo os dias,
mas meus lábios permanecem suturados,
minha pena não se endireita.
Eu ando por entre ruas que não me pertencem mais.
Eu escrevo meu nome nas paredes,
Talho-o em todas as portas.
Sussurro-o aos quatro cantos,
mas não consigo encontrar-me.
Não sei se padeço de um fazer poético
ou apenas uma isquemia.
sábado, 5 de outubro de 2024
Interregno
Cetro e manto acumulam poeira.
O trono clama por um alguém
que preencha a vastidão do palácio.
O eco se afoga no silêncio
de um único nome entoado.
As trombetas aguardam enferrujadas.
Os portões dourados já não refletem luz.
As estradas estão livres.
Os tributos foram todos pagos,
mas falta algo aqui.
Um arauto certamente há de vir.
Os pássaros cantam nas ruas vazias.
Suas asas cortam sóbrias o cerúleo céu.
Todas as torres estão em vigília.
As flores murcham como pequenos lamentos.
Faz-se silêncio nas catedrais.
Os dias se multiplicam.
As vinhas tomam as paredes.
Os sinos rachados se calam.
Todos os arcos estão quebrados.
Todas as flechas foram disparadas.
A natureza toma-nos as ruas.
Um doce cervo é finalmente
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
Em Mastros Desatados
O vento permeia tudo.
O Sol rasante evapora as palavras de nossos lábios.
É tudo sal e distância.
Barcos vem ou vão sem nunca retornar.
A imensidão azul fascina e apequena.
Que culpa tem as sereias de aqui cantarem?
Nenhuma cantilena compele alguém as águas,
nenhum seio rijo entorta-nos o Norte.
A rota é por escolhas formada.
Penélope em Ítaca também cantou
por vinte anos sua canção
sem que alguém sequer a ouvisse.
Se Penélope estava só,
as sereias também estão.
Ninguém há de eternizar suas histórias.
Odisseu enxergou somente o que queria.
Imputou virtudes e vícios onde somente existia ardor.
Seja no preciso mármore de Ítaca
ou num falho atol isolado,
todos ansiamos por laços,
Por correntes que nos impeçam de sermos levados
pelos lentos passos da procissão dos dias.
Todo abraço é uma âncora.
Todo beijo uma alforria.
Antecâmaras
Halicarnasso tremeu e ruiu.
O farol de Alexandre está sob as marés.
O Colosso de Rodes deitou-se na costa.
Somente a sóbria pirâmide restou.
Sua superfície é áspera, impiedosa até,
pois ainda guarda mistérios e segredos
na retidão de seus longos corredores.
Cada parede é um livro,
cada centímetro uma prece.
Uma morada construída de pedras e palavras.
História entalhada na pedra,
a pedra sustentando os anos.
Do lado de fora,
Tudo é areia, vento, esquecimento e vida.
Minhas ruínas a florir.
terça-feira, 1 de outubro de 2024
Novos Colossos
Nas costas bravas de Rodes,
o velho colosso foi novamente erigido.
Seus setenta cúbitos de altura
parecem entre névoas se avolumar.
Com lança e tocha em riste,
protege as águas deste preamar.
Quando o sol espanta as nuvens,
sua brônzea pele irradia sua presença
para muito além das imperdoáveis milhas.
Mesmo distante é difícil não o ver
reluzindo sereno, algo mais que belo,
apequenando os navios a partir ou chegar.
Diante de seus pés nunca me senti tão só.
Suas pálpebras não se mexem,
seu sorriso estático é quase um arremedo.
Ainda que se sustente, seu interior é oco como o meu.
Uma pátina verdete toma-lhe a superfície.
Meus braços não foram largos o bastante
para abraçar-lhe como queria.
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
Roque
As peças pendem diferentemente num tabuleiro.
A paridade é quase sempre só aparente.
Os primeiros movimentos encerram em si
todo o desfecho e eu não sei jogar.
Tudo é tão assimétrico,
meus peões todos indefesos.
Não desejo protelar o meu abate.
Não possuo torres para me acastelar.
Tão inabilmente joguei este jogo antes.
Fui transparente em movimentos e intenções.
Não quero mais reproduzir estas jogadas
em minha cabeça ou em meu coração.
Capturo as minhas próprias peças.
Não há vergonha em perder,
em saber os limites do que sei jogar.
sábado, 28 de setembro de 2024
Frestas
O que há de se guardar nas estantes altas?
Tão distante de incautos olhos,
entre caixas, livros e fotografias
pairam vagos vestígios do passado.
Lembranças e lembretes raros,
mas destituídos de espaço próprio
em nossas salas, quartos e camas.
Nossas vidas transbordam além dos limites,
Fluímos em direções novas ou baldias,
mas nada jamais por inteiro se apaga.
Ainda que descasque ou nos sobrepinte,
como tinta de alguma forma perduramos.
Pigmentos presentes, ainda que ressignificados.
É preciso abrir mão do passado,
mas por entre frestas ele sobrevém agridoce
entre instantes e recordações considerados perdidos.
Toda pegada é uma cicatriz.
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
Telégrafos
O cobre encurta as distâncias,
vasculariza as estradas e as cidades
transmitindo em sinais e silêncios
tudo o que precisa ser dito.
Notícias de fortunas feitas e desfeitas,
partidas e chegadas são anunciadas.
Nomes em causas perdidas sendo conscritos.
Tudo sempre tão preciso,
Tudo expresso em tão parcas palavras.
O cerne nem sempre é tudo.
Os envelopes pardos mantém o seu mistério
ao permanecerem fechados.
A rapidez dos telégrafos destronou
as mesuras e a consideração das missivas.
Há sempre tanto a se dizer,
mas as palavras nos são todas contadas.
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Velas & Candeeiros
Cera e querosene se sublimam em luz,
mas em fumaça e fuligem também.
Clareiam nossos rotos rostos,
engrandecendo nossas sombras.
O que ilumina nossas mesas
sempre há de escurecer os nossos tetos.
É difícil aceitar a experiência da noite,
sua natureza disforme e imprecisa
multiplicando perigos e medos
enquanto acalenta nossos sonhos.
Congregamo-nos na escuridão,
pele repousando sobre pele,
dedos entrelaçando-se suaves.
Tudo é quase sussurrado.
As estrelas arranham o firmamento,
cometas dilaceram-se para beijar o chão,
engrenagens celestiais atiçam luas e marés.
Eis toda a fúria e a poesia que nos faltam
sob a luz de velas e de tristes candeeiros.
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Sílica & Saudade
Por entre minhas mãos escorrem areias
tão finas e alvas que ao vento se desfazem
como as lembranças da iridiscência
das conchas que um dia ousaram ser.
Puídas pelas ondas e as pedras,
presas na circularidade das marés,
chocavam-se umas com as outras
até fragmentarem-se por vez e vez mais.
Um todo feito em partes,
partes feitas em um outro todo difuso.
Por que tudo há de ser tomado de nós?
Os longos dedos do tempo
tamborilam sobre os dias e meses
de nossos finitos calendários.
Por entre que mãos haveremos de escorrer?
segunda-feira, 16 de setembro de 2024
Correntes de Retorno
O tempo sopra
areias contra nós.
Machuca o rosto,
um pesar atroz.
Os ventos dizem
que um menino se afogou,
que aqui não daria pé,
que tudo estava bem
até você chegar.
Vejo faróis
cortando o horizonte.
O sangue e o sal,
o nado mais distante.
Eu ouço gritos
que a maré vai me puxar,
que o barco afundou,
que aqui há o coral
mais belo para morar.
Sob a espuma, há luz
para recomeçar.
Abro as portas e deixo
A onda se arrebentar.
Nunca estive mais só...
E aqui há de ser o meu lugar.
Onde as ondas mais altas
sempre irão se arrebentar.
Jangadas contra o oceano,
Como estrelas na escuridão.
Não tenho mais pernas,
Só asas para desbravar
A imensidão.
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
Algo saiu de lugar
Aonde estariam os eixos
onde tudo deveria estar?
Não sei se sou o alvo ou a flecha,
Algo saiu de lugar.
Em órbitas tão dissonantes
a Terra irá se alinhar.
Além dos pilares do mundo
Os céus irão desabar
Com graça,
Coragem,
Piedade e
Estupidez.
Tudo não foi nada além
de um castelo de cartas
mal marcadas.
Você só está aqui quando convém,
Eu sou riso e você é a estrada.
E está tudo bem.
Está tudo bem.
Está tudo bem,
Só sorria.
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Indefinida
O céu ainda se despe do escuro
Para a nudez cerúlea das manhãs.
A terra e os lírios molhados
Exalam imprecisas fragrâncias
Sob a dança dos dias e de meus pés.
Os olhos se voltam para o horizonte,
Para os lânguidos raios a despertar,
Barganhando por mais uns instantes
Para Selene poder a Aurora beijar.
Daqui brotam infinitos,
De onde meus passos estiveram
Até aonde os pássaros estão.
Círculos se interligando
Nos muitos versos de meu quintal.
Um mundo inteiro está mudando,
Quem ouso ser afinal?
terça-feira, 3 de setembro de 2024
Perto Demais do Ribeirão
O tempo naufraga até mesmo um sertão,
Enferruja o arado e entorta o perdão.
Quantos mais eu hei de enterrar?
Os olhos ardem, queima a plantação.
são tantas bocas para prover o pão.
Quantos mais eu hei de enterrar?
Eu ouço tiros.
Eu sou o alvo.
Cheguei perto demais
do Ribeirão.
Chora, meu córrego,
limpa o meu nome.
Por que é tão difícil morrer?
As mãos de meu filho estão sujas de sangue.
As mãos de meu filho estão sujas de sangue,
mas eu não posso parar ...
---
A minha terra tem partes de mim
Espalhadas do começo ao fim.
Quantos mais eu hei de chorar?
Cruzes na estrada, flores ao portão.
Alguns logo chegam e logo se vão.
Quantos mais eu hei de chorar?
Ainda estou vivo
Mas só em parte
Algo em mim
Eu sei se perdeu.
Chora, meu filho,
a dor do seu nome.
Por que é tão difícil viver?
As mãos de seu filho estarão sujas de sangue.
As mãos de seu filho estarão sujas de sangue,
E não há nada que eu possa fazer ...
---
Cacos e pedras são o que me restou,
Faces tão cavas ornadas de dor.
Outra estrela eu hei de contar.
Tão pouco é dado, tão parco o quinhão,
Mesmo tão perto do Ribeirão.
Outra estrela eu hei de virar.
Está tudo calmo,
Uma noite clara.
Minha força se esvai
Com o Ribeirão.
Chora, meu córrego,
Apaga o meu nome
me leve pra longe daqui.
As mãos de meu pai limpam minhas mãos de sangue.
As mãos de meu pai limpam minhas mãos de sangue
E agora eu posso parar...
Suturando os talhos em mim.
Meu sangue é forte.
Ainda estamos tão longe do fim.
Um rio permeia
Meus filhos e minhas veias.
Muito além do Ribeirão
Aqui estou e aqui também estão.
Bowline Knots
There is a quiet dignity
that sustains the sutures of the everyday.
Stones laid beneath burdens
that silently bear the weight of everything,
the tearing of estranging skins unto each other,
the heaviness hanging above our bending backs,
all things in their right and proper places.
When night arrives,
the affability of the banal
shelters us from everything outside,
from the hateful stars sailing through the night,
from crazy howls echoing between the hills,
from the rain erasing our names and faces,
from the lukewarm taste of blood on our lips.
It must be safe in here.
segunda-feira, 2 de setembro de 2024
Nós de Escota
Existe uma dignidade quieta
que sustenta as suturas do cotidiano.
Pedras assentadas sob pesares
que, quietas, tudo suportam.
o dilacerar de peles se estranhando,
o peso curvando-nos as costas,
todas as coisas em seus devidos lugares.
Quando chega a noite,
a afabilidade do banal
protege-nos de tudo que há fora,
das estrelas odiosas singrando a noite,
dos uivos ensandecidos ecoando entre os montes,
da chuva apagando nossos nomes e pegadas
e do gosto morno de sangue em nossos lábios.
Deve ser seguro aqui.
quarta-feira, 28 de agosto de 2024
Tercilhos
Distante demais para tocar,
perto demais para esquecer.
Eu sei algo há de mudar
ou então eu vou me perder.
Outra noite há de chegar
e eu não hei de adormecer.
Eu sei aqui é o seu lugar,
mas isso não irá acontecer.
Como um navio no horizonte,
novas terras explorar
algum caminho que desponte,
além do compasso perdurar.
Eis que a gota volta a fonte,
Acho que hoje irá chover.
Nem tudo foi um afronte,
outra ruína a florescer.
Novas terras explorar,
outra ruína a florescer.
Distante demais para tocar,
outra ruína a florescer.
Outra noite há de chegar,
outra ruína a florescer.
Eu sei algo há de mudar,
outra ruína a florescer.
sexta-feira, 23 de agosto de 2024
Side Glancing
The room is full of faces, voices,
and all the naturalness I lack.
Hands cannot seem to find their place.
I am like a piece of a jigsaw puzzle
switched from its original box
or like a scratch on an old record
skipping intermittently.
I look at everything and everyone sidelong.
I never wanted to be here.
I don't understand the nuance that permeates the mundane.
I understand myself as limited,
lacking a dimension or two.
I embrace the walls,
exposing myself in them
without ever being seen.
I hid behind wonders,
believing myself to be something better,
but I am only hidden
like paint under paint,
revealing myself only
through the tectonism
of my own flaws.
quinta-feira, 22 de agosto de 2024
Soslaio
A sala está cheia rostos, vozes
e toda a naturalidade que me falta.
Mãos que não encontram seu lugar,
como um peça de um quebra-cabeças
que fora trocado de sua caixa
ou como um risco do velho disco
repetindo-se entrecortadamente.
Eu olho tudo e todos de soslaio.
Nunca quis estar aqui.
Eu não entendo a nuance que permeia o banal.
Entendo-me limitado,
faltando-me uma dimensão ou duas.
Abraço as paredes,
nelas me expondo
sem jamais ser visto.
Eu ocultei-me atrás de prodígios
acreditando ser algo melhor,
mas estou apenas escondido
como tinta sob tinta,
revelando-me apenas
pelo tectonismo de minhas falhas.
terça-feira, 20 de agosto de 2024
Decoherence
The foams of time and space
bubble in the foundations of the real
forming fortuitous dimensions,
lines that would touch in infinity,
but curve inward,
as in some string theory,
never daring to reveal themselves.
Our superimposed horizons,
so full of boundless possibilities,
Meet beyond the measured touch,
in the collapse of our experiment,
in the affront of my foolish experience.
Not even light could pierce
the entire sad wholeness of space.
Cosmic indifference
separates beginnings from our noblest ends
filling everything with noise and radiation.
This is surely just
one of many possible worlds,
but we are anchored by the real,
in the Cartesian nature of time,
with our chiralities previously defined.
Where could the better versions of me reside?
Laplace's demon
Has finally closed its leaden eyes.
The box is open and the cat is...
Decoerência
As espumas do tempo e do espaço
borbulham nos alicerces do real
formando dimensões fortuitas,
retas que no infinito iriam se tocar,
mas que curvam-se ensimesmadas
como em alguma teoria de cordas
nunca ousando se revelar.
Nossos horizontes superimpostos,
tão plenos de possibilidades mil,
encontram-se além do comedido toque,
do colapso de nosso experimento,
da afronta de minha tola experiência.
Nem mesmo a luz poderia perpassar
toda a triste inteireza do universo.
A indiferença cósmica
aparta os começos dos nobres fins
preenchendo tudo com ruídos e radiações.
Este certamente é apenas
um de muitos mundos possíveis,
mas estamos ancorado no real,
na cartesianidade do tempo,
com nossas quiralidades pré-definidas.
Onde poderia habitar o melhor de mim?
O demônio de Laplace
finalmente fechou os seus plúmbeos olhos.
A caixa foi aberta e o gato está...
terça-feira, 13 de agosto de 2024
Strange Wind
I was alone on an open field,
lost among impossible possibilities
when approached from the horizon
a strange blow caressed my face.
Cold gusts, punctuated by solitude,
sprinkling me with a serene drizzle,
carrying scents of earth, ashes, and salt,
the silence of all the songs I've ever sung.
Names and faces torn apart by the mists of time.
I was naked and surrendered,
but the wind would also carry me away,
whipping at the doors and windows
that had remained closed
in the small gaps between the days.
Through the empty street corners,
in the still silence of the night,
the wind would also whistle away my name.
Impermanence is the totality of all things.
Vento Estranho
Eu estava só sobre o descampado,
perdido entre possibilidades impossíveis
quando do horizonte se aproximou
em um efêmero instante
um estranho golpe afagando-me o rosto.
Rajadas frias, pontuadas pela solidão,
salpicadas por algum sereno sutil,
carregavam cheiros de terra, cinzas e sal.
Eis o silêncio das canções que já cantei.
Nomes e rostos dilacerados pelas brumas do tempo.
Eu estava nu e eu me entreguei,
mas o vento também me levou embora,
fustigando as portas e janelas
que fechadas permaneceriam
entre os pequenos vãos dos dias.
Por entre as esquinas desertas,
no plácido silêncio das noites,
o vento também assoviaria o meu nome.
A impermanência é a totalidade de tudo.
segunda-feira, 5 de agosto de 2024
Anunciação
D . D7 . G/B Bb C
Segue o rio o velho leito,
o céu encontra o chão.
Outro dia imperfeito
de anunciação.
Faz silêncio em nossas casas,
estão abertos os portões
para outro Ícaro sem asas
perdido em orações.
Am . . . F6/A . . . D7/A . . . F . . F6
Se tudo desagua em Ti,
por que haveria eu de mudar?
Se tudo desagua em Ti,
por que haveria eu de mudar?
Dê-me um princípio
ou um precipício
ou então
uma revolução.
D . D7 . G/B Bb C
Mas o Sol nunca foi feito
para nos iluminar
quando a dor nos bate ao peito
pedindo pra entrar.
Faz silêncio em nossas casas...
quarta-feira, 31 de julho de 2024
By Breath and Whispers
To love or be loved is not a difficult thing,
to be and be more than present
sharing sorrows and joys
in varying degrees and qualities.
It is possible to find mutual support
in the midst of almost any storm.
I do not believe in the affectations of feeling.
No crescendo of violins will permeate our days,
no saxophone solo will adorn our sex.
What is real is orchestrated only
by breath and whispers.
I see things in their own and proper places
and seem to expect something
to misalign from its orbit
like Sisyphus waiting for some stone
to punish him for yearning for the peaks.
It's difficult to accept the continuous blossoming
of something beautiful amidst my cacophony,
amidst all of my nonsense.
I am exposed, seen, and accepted,
almost like a deer
caught by the headlights of a car.
It is necessary to detach from the thorns,
to exhaust oneself of inadequacies
to, like a river, let everything else go.
It is impossible to sustain solitude
Without being furrowed by wrinkles and desires.
It has never been difficult to love or be loved.
terça-feira, 30 de julho de 2024
Sussurros e Respiros
Não é algo difícil amar ou ser amado,
estar e ser mais do que presente
compartilhando pesares e alegrias
em variadas proporções ou qualidades.
É possível encontrar amparo mútuo
em meio a quase qualquer tormenta.
Não acredito nas afetações do sentir.
Nenhum crescendo de violinos
irá permear os nossos dias,
nenhum solo de saxofone
irá ornamentar o nosso sexo.
Aquilo que é real é orquestrado apenas
por sussurros e respiros.
Eu vejo as coisas em seus
próprios e devidos lugares
e pareço esperar algo
desalinhar-se de sua órbita
como Sísifo aguardando alguma pedra
punir-lhe por almejar os cumes.
É difícil aceitar o contínuo florescer
de algo belo em meio à minha cacofonia,
em meio às minhas tolices.
Eu estou exposto, visto e aceito,
Quase como um cervo
Sob os faróis de um carro.
É preciso desapegar-se dos espinhos,
Exaurir-se de inadequações
para, como um rio, deixar tudo mais ir.
É impossível sustentar a solidão
Sem sulcar-se de rugas e desejos.
Nunca foi algo difícil amar ou ser amado.
sexta-feira, 26 de julho de 2024
Heliast
In the midst of the Agora,
the throne faces the East.
These pillars are made of sky.
This warm wind blesses all things.
Stripped of shield and greaves,
the word is succeeded by silence.
The eyes rest kindly
on uncertain horizons
foretelling the sober ecstasy
of the coming golden dawn.
It is possible to see further
than one thinks they can see
leaning on the invisible
to ward off the surrounding darkness,
to shape this nascent morning.
The song of the first birds
and the intoxicating scent of hyacinths
fill the still-empty streets.
The promise of footsteps is almost nostalgic.
With eyes open or still closed,
Having guided the Sun
through the treacherous night,
my vigil is finally over.
quinta-feira, 25 de julho de 2024
Heliasta
Em meio a Ágora,
o trono está virado para o Leste.
Estes pilares são feitos de céu.
Este cálido vento abençoa todas as coisas.
De escudo e grevas despido,
a palavra é sucedida pelo silêncio.
Os olhos repousam afáveis
sobre horizontes incertos
prenunciando o sóbrio êxtase
da vindoura aurora dourada.
É possível enxergar mais longe
do que se pensa poder ver
apoiando-se no invisível
para rebater a escuridão circundante,
para darmos forma a manhã imberbe.
O canto dos primeiros pássaros
e o perfume intoxicante dos jacintos
preenchem as ruas ainda vazias.
A promessa de passos é quase nostalgia.
De olhos abertos ou ainda fechados,
Tendo reconduzido o Sol
por entre a pérfida noite,
termina aqui minha vigília.
terça-feira, 9 de julho de 2024
Clerestory
Warm breath, close lips,
an infinite that can be felt.
The skin anticipates the touch,
raising hairs and senses,
Anticipating the overflowing of egos
occupying the liminal spaces,
calling Thanatos and Eros
to dance under the crackling
of the ghost fire of our passions.
Nails meeting naked back,
teeth greeting flesh.
I no longer have any answers.
Thou art my clerestory,
Now letting all of my light in.
segunda-feira, 8 de julho de 2024
Clerestório
Hálito quente, lábios próximos,
um infinito que se pode sentir.
A pele antecipa o toque,
eriçando os pelos e sentidos,
antecipando o transbordar de egos
ocupando os espaços liminais,
conclamando Thanatos e Eros
a dançarem sob o crepitar
do fogo fátuo de nossas paixões.
As unhas vão ao encontro das costas,
os dentes ao encontro da carne.
Eu já não possuo mais respostas.
Tu és meu clerestório,
Deixando agora toda minha luz entrar.
Hephaestus
The world is molded under the flame of will.
The politeness of discipline allows us to
climb those distant steps
in the inhabitable desert of success.
We are the sum of our choices
and the product of their consequences.
Delight is almost always fleeting.
Reclusive in its offering,
it must be pruned like a bonsai
and preserved as something precious.
One must become hardened to thrive through
the tempests and the intemperance of others.
We are still the ones remaining standing.
Reality is almost always harsher
than we allow ourselves to perceive.
We always impart such bitter sweetness
on the ever unfolding mists of becoming.
All we have are just obstacles or spectacles
filling up the great void of life.
We are the hammer raised against the fire,
but we were also always
the true tenacity of the metal.
domingo, 7 de julho de 2024
Hefesto
O mundo se molda sob a chama da vontade.
A polidez da disciplina nos permite
galgar degraus distantes
no deserto inóspito do sucesso.
Somos a soma de escolhas
e o produto de suas consequências.
O deleite é quase sempre passageiro.
Recôndito em se oferecer,
deve ser podado como um bonsai
e preservado como algo precioso.
É preciso embrutecer-se para prosperar
além das intempéries e da intemperança de outros,
para descobrirmo-nos de pé
enquanto eles encontram somente
o amparo estático do chão.
A realidade é quase sempre mais dura
do que permitimo-nos perceber.
Nós sempre inputamos tamanha doçura
às intermináveis névoas do devir.
Tudo que temos são apenas
obstáculos ou espetáculos
preenchendo o grande vão da vida.
Nós somos o martelo levantado contra o fogo,
mas também, sempre, fomos
a tenacidade verdadeira do metal.
sexta-feira, 5 de julho de 2024
Clear Sights
Rare clarity
entered through my window,
took over the living room
and everything within it.
Rare clarity
made its home inside me,
illuminating corners
of farewells and arrivals.
Rare clarity
came along the morning
announcing newer colors
blooming on the balcony.
Rare clarity
dispelled all the shadows
filling out the days
with contentment and peace.
Rare clarity,
when bowing to the West
the eastern door will open
and nothing will be said.
quinta-feira, 4 de julho de 2024
Vistas Claras
Claridade rara
adentrou por minha janela,
se apossou da sala,
e tudo que havia nela.
Claridade rara
fez em mim sua morada,
iluminando os cantos
de despedidas e chegadas.
Claridade rara
sobreveio a madrugada
anunciando as cores
desabrochando na sacada.
Claridade rara
das sombras se desfaz
preenchendo os meus dias
com contentamento e paz.
Claridade rara
quando ao Oeste se curvar
deixarei a porta aberta
para ao Leste retornar.
segunda-feira, 1 de julho de 2024
Amputações
É preciso preservar o todo,
aceder à realidade do dano
e entender que a cura
perpassa alguma dissolução
de tecido outrora saudável.
As fibras romper-se-ão doidamente,
os tendões irão ao fim se rasgar.
Os ossos serão devidamente serrados.
Não foi possível proteger
a coesão típica dos corpos.
O rearranjo expõe os nervos,
sensibiliza-nos ao toque,
coroando a pungente falta
e alguma noção perdida de inteireza
nos o palcos e palácios
de nossas resignadas emoções.
É preciso abrir espaço para o novo
e aceitar que algo importante
foi-nos definitivamente tomado.
Sobram-me cada vez menos partes e pedaços
de algo que posso considerar eu.
Embalado por algum láudano ou éter,
rearranjo as peças
sem mais me reconhecer
entre novos retalhos e cicatrizes.
Tomaram-me todos os dedos
e tudo que tenho são anéis.
Sinedóque
Ponho a gota sob o microscópio
e penso conhecer o rio.
O Mundo se esconde além de números.
Se faz presente, mas incognoscível.
Semblantes que se assemelham
a novas partes velhas sendo recatalogadas.
Recombinam-se e desfazem-se,
sem jamais terem dito nada.
Alma.
Substância estranha
que no espaço se esconde,
mas no tempo se revela,
Como o vazio que cerca as grandes construções
ou como indiviso vento impulsionando velas.
Durmo com as costas em montes
e desperto dandos às nuvens
suas significações.
Deconstruo os sinais.
Tomo a parte pelo todo.
O vazio se preenche com o que se quer.
quinta-feira, 27 de junho de 2024
Temperança
Eu faço minha morada no amanhã,
Negligencio os afazeres do hoje.
Sempre perseguindo algum cometa,
Alguma estrela cadente
Que, tolo, pensei poder tocar
Como rijos seios de sereia
Congregando com a boca
Em delírio ou deleite.
Tudo isso, eu sei, irá passar.
Estamos presos nessa
Procissão de princípios,
De fins que se intercosteiam
Suturando as dores do mundo,
Compondo um único tecido vivo,
Bendizendo e benfazendo
Os alicerces de meu querer.
Existe precisão além da forma,
Uma razão subordinada ao sentir.
A linha nem sempre é o caminho mais perto.
1 + 1 = 3
Talvez Belo
O quadro pende no corredor escuro
Onde poucos transeuntes passam,
Uma decoração sem importância
Para preencher um vazio
Ou mesmo esconder
Alguns fios e falhas.
Sua moldura modesta está gasta
E partindo nas beiradas
Como se rugas fossem
Estampando o puir do tempo
Ao observador incauto.
O vidro acumula poeira
Como se uma névoa se interpusesse
Entre a obra e o mundo,
Cataratas tornando os dias
Leitosos e oblíquos.
A luz difusa revela somente
Vultos e contornos de algo talvez belo,
Uma obra talvez prima
Esquecida entre a monotonia
Do ranger de portas,
Do tocar de telefones,
Das conversas banais
Dos corredores
Dos escritórios
Nos prédios
Dos centros
Das cidades
Onde todos
Estão ocupados demais
Para poderem notar.
Em que lado do vidro estamos.
terça-feira, 25 de junho de 2024
Pigmalião
Sombra é a substância do desejo,
a imprecisão que pare formas
que sussurram no silêncio
algo mais intenso que o real.
Mãos calejadas esculpem a pedra
com o cinzel torto de sua estrada
e o martelo pesado de sua história.
Nunca somos verdadeiramente justos.
O outro é sempre tingido por um eu.
Deparo-me com minha obra,
Cansado do labor
e cônscio de não se coadunar,
entre fendas e ângulos,
com as raízes rubras do real.
És algo mais belo do que posso suportar.
A unidade desfeita em cacos
por vez e vez mais,
como um débil demiurgo
continuamente trazendo dos primórdios
um mundo à forma e em seguida destruindo-o
por nele nunca se encontrar.
Sou falho.
Inconstante.
Indeciso,
mas atento ao outro,
mesmo quando cego
intuo a forma,
Compreendo o valor
pairando distante, além.
Não é justo em pedra o outro aprisionar.
Galatéia não existe além dos cacos.
quinta-feira, 20 de junho de 2024
Negative Space
Translucent, I hide
like a gentle breeze
caressing leaves and pages
of trees and notebooks
to draw a story
by absence entirely defined.
I am made of holes
and all the fleeting things
that accumulate in the dusty corners
of a desert stricken life.
I am the button of that old shirt,
The book that once was borrowed,
The clippings of never made recipes .
The delicate dedications left unread.
I dwell in the topology of wanting,
Mapping whole oceans of desire.
terça-feira, 18 de junho de 2024
Espaço Negativo
terça-feira, 11 de junho de 2024
Gentileza & Graça
A beleza da porcelana está além
Dos seus pequenos detalhes
Ou mesmo de seus delicados contornos.
Ela tampouco se encontra na pompa
Ou nas circunstâncias que a cercam,
Nas cotidianas conversas que escuta.
É delicada ao toque
E se parte se amparada pelo chão.
Uma existência pautada pelo comedimento,
Algum tipo estranho de graça.
As civilizações vêm e vão,
Mas os fragmentos de suas porcelanas
Contam-nos que houve algo mais
Que o horror da guerra ou a banalidade do mal.
Mesmo passados tantos anos,
Dos cacos é possível intuir a forma
De um todo e um tudo que se perdeu.
A beleza do pássaro
Jaz na natureza fugidia do pouso,
Nos entretempos gentis
Em que suas asas roçam o chão
Como arautos de amantes distantes
Confiando-nos segredos
Ou mesmo alguma doce ilusão.
Argila, quartzo, feldspato, caulino e calor.
Há algo mais do que a soma das partes.
Estas asas hão de rufar novamente.
quarta-feira, 5 de junho de 2024
Like Lighthouses
We are defined by insignificances,
By small sorrows,
By the tiny dimensions of our loves.
It is difficult to look back
Searching for some fleeting fullness.
We are the puzzles scattered on the table,
But also the pieces thrown to the floor.
Incomplete, nonconforming,
Yet still resolute.
We start our lives whole,
But we break and shatter along the way.
The edges become sharp,
So skittish to the delicate touch.
For each door that swings open,
Two or more are shut close.
Like a tie or some slipknot
Tightening the throat to silence,
The days squeeze and drift away from us.
Aging is understanding oneself as ridiculous,
But without the lightness of the laughter.
How is it possible to have achieved so much
And yet so little?
Like lighthouses
We signal our loneliness
In the fierce darkness
So that ships and their crews
May heed and steer clear of us,
From our rough shores,
From our immeasurable pains.
An archipelago of sorrows and regrets.
terça-feira, 4 de junho de 2024
Como Faróis
Somos definidos por insignificâncias,
Pelos pequenos pesares,
Pelas dimensões diminutas de nossos amores.
É difícil olhar para trás
Procurando por alguma plenitude fugidia.
Nós somos o quebra-cabeças espalhado sobre a mesa,
Mas também as peças jogadas ao chão.
Incompletos, inconformes,
Mas ainda assim resolutos.
Começamos nossas vidas inteiros,
Mas partimos e nos quebramos pelo caminho.
As arestas tornam-se pontiagudas,
Tão ariscas ao delicado toque.
Cada porta que se abre,
Outras duas ou mais se fecham.
Como uma gravata ou algum nó corredio
Tensionando a garganta ao silêncio,
Os dias se apertam e se apartam de nós.
Envelhecer é entender-se ridículo,
Mas sem a leveza do sorrir.
Como é possível ter alcançado tanto
E ao mesmo tempo tão pouco?
Como faróis
Sinalizamos nossa solidão
Na escuridão bravia
Para que os navios e seus tripulantes
Se atentem e se afastem de nós,
De nossas costas arredias,
De nossas incomensuráveis dores.
Um arquipélago de dissabores e arrependimentos.
quinta-feira, 23 de maio de 2024
Buracos e Defeitos
O Templo está vazio.
Nada pende sobre o pedestal.
Tudo se preenche de silêncio
E oportunidades exauridas.
Eu olho para os céus
Tão desejoso de respostas,
Mas a chuva e o trovão
Não se curvariam para ninguém.
Como um infante de algum deus esquecido,
Sou banhado pela sua indiferença,
Aconchegado pelas suas mãos ausentes.
Teu silêncio embala o meu sono.
Nada poderia me despertar.
Eu ainda estou aqui,
Ornado de buracos e defeitos,
Coletando os cacos
Para compor algum estranho mosaico de mim,
Mas os pedaços ainda se escondem pelos cantos.
Estou incompleto como uma boca sem dentes,
Como um palhaço estampando sua dor em meio ao riso.
É difícil esperar algo mais dos dias,
Da vida além da vida que vivi.
Pintei o chão até só me restar paredes.
Eu meço e conto os passos que não posso dar.
domingo, 28 de abril de 2024
The Azure Roots of Dreaming
With eyes shut tight,
Lost in liquid darkness,
Other worlds unfold in whispers.
I find myself hovering in formless vastness
In the amniotic infinity
Where beginnings dissolve into endings,
And change pulses through me like a tide.
I can feel something in me changing,
The throes of some uneven death.
I am translucent to the woes of disappointment.
I hear notes reverberating further away
Hinting at some long-lost unity.
My hands extend like invisible capillaries.
I can graze my fingertips on the unknowable,
Tracing the azure roots of dreaming,
The forgotten primal movement
From which spring the ethereal foundations
Of all that is significant and real.
We teem with motives and meanings,
Bound by the threads of memory's web.
Yet our voices echo only briefly,
Through the occupied vacuum of space and time.
Our voices will not be carried forever
Through the interstice of our hours,
By the finitude of our laughter.
Surrounded by dim shadows,
I once again tread the narrow path of dawn.
Clear-sighted, with a lighter chest.
All psychopomps must return alone.
An origami of light and shadows.
sábado, 27 de abril de 2024
A Raiz Azul dos Sonhos
Com os olhos fechados,
Perdido em escuridão líquida,
Outros mundos em sussurros se descortinam.
Encontro-me pairando em vastidão sem forma
No infinito amniótico
Onde os começos se dissolvem,
Pulsando transformações como marés.
Posso sentir algo em mim mudando,
Os estertores de alguma morte desigual.
Estou translúcido para os dissabores de tudo.
Ouço notas que parecem reverberar mais longe
Sugerindo alguma unidade a muito perdida.
Minhas mãos se estendem como capilares invisíveis.
Posso roçar as pontas dos dedos no incognoscível,
Traçando a raiz azul dos sonhos
No primevo movimento esquecido.
Daqui brotam os etéreos alicerces
De tudo que é significativo
E de tudo que é real.
Estamos prenhes de motivos e sentidos
Apenas enquanto presos nestas teias do lembrar.
Ainda assim nossas vozes ecoam breves
Por entre este vácuo sideral ocupado
Pelo interstício de nossas horas,
Pela finitude de nossos risos.
Sombras difusas rodeiam-me.
Os olhos abrem-se novamente.
Trilho a estreita rota da manhã.
Vistas claras, peito leve.
Todos os psicopompos precisam retornar sozinhos.
Um origami de luz e sombras.
quarta-feira, 24 de abril de 2024
Apenas alguém
Algo perdura apesar dos anos.
Reenceno os mesmos momentos
Como se uma meditação fosse,
Mas foi eu que fechei as portas
E fui eu que voltei-me para o Oeste.
Lembranças e palavras ainda reverberam
Silentes e solenes, rasgando as pretensões.
Algo belo e importante ficou para trás
E por mais que o mundo gire,
Que os meus pés se despeçam,
Que tenha feito sentido partir,
Algo de mim ficou para trás.
Estou disperso no tempo e no espaço.
Não encontro unidade no sentir.
Por mais que as partes façam sentido,
O todo é estranho e alheio sem você.
Eu privei-me do meu lugar
E agora não sei mais aonde estou.
Espero que os anos tenham lhe sido gentis,
Mais do que eu poderia ser.
Não és estrela idealizada,
Nem dista em horizontes impossíveis.
És algo concreto feito abstrato
E agora lembrado com dor.
Apenas um alguém que um dia conheci.
Apenas um alguém que um dia me conheceu.
segunda-feira, 22 de abril de 2024
Tétis
Os alforges finalmente ao chão.
A poeira pode sempre ser varrida
e os cacos ainda podem ser colados.
O possível brota timidamente dos cantos.
Calejadas mãos repousam sobre o leme.
A tempestade se cala lá fora.
Por anos navegando uma rota errada
Usando os mapas e os meios
de algum outro alguém.
O oceano é vasto o suficiente para nele se perder
e o oceano é vasto o suficiente para nele se encontrar.
As ondas não dissuadiram Odisseu.