terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Legio IX Hispana


A impermanência é um convite à reflexão
Sobre o estar das coisas,
Sobre as sombras projetadas
Como entraves pelo caminho.

Carregamos estandartes
Como se a glória de Roma fossem.
Valores, ideais e virtudes
Que não comportam nossas brutas vidas,
Nossas cicatrizes,
Nossas batalhas ganhas e perdidas.

Ninguém vai testemunhar a nossa dor.
Ceifados para fora da história
Pelas mãos do Pai Tempo,
Tornamo-nos premissas inconclusas,
O longo silêncio que permeia os oceanos
Separando as nossas orações.
Sujeitos ocultos,
Falas reticentes,
Peças removidas do tabuleiro
Cedo demais.

Marchamos sós para Caledônia
Sem nela nunca chegar,
Sem dela nunca partir.

Hic requies legionis nonae.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

A Felicidade dos Outros


É preciso limitar o dano.
Ocultar intuito e o sentir
Para que a felicidade permaneça
Permeando-lhe os dias,
Desabrochando coisas belas
Longe do olhar.

Ainda que pudesse
Abrir portas e janelas
Para que adentrasse em casa
Como o Sol de um terno dia,
Não me compete medir
A largura de teus horizontes,
De teus planos e afetos.

Nossas mútuas alegrias distam
Em órbitas descasadas.
Ainda sim é preciso conter o dano.
Preservar a beleza daquilo que existe além,
Em mim,
Em você
E outros.

Pequenos pássaros
Alçando voo.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O Paradoxo de Zenão

 


Posso enxergar mais longe com as mãos.
Intuir a forma, delinear a rota,
Encontrar o caminho
Em meio à imediatez do agora.

A respiração entrega o espírito,
Infla a carne,
Faz o coração bater
Em bocas e dedos,
Beijos ou abraços.
Hálito benfazendo o dia.

As distâncias se diminuem
Por detrás de portas.
Universos, formas, metonímias.
Tudo ao alcançe das mãos,
O abstrato parido no concreto,
Como uma arquitetura brutalista,
Tão despida de poesia,
Tão ancorada no agora.

O infinito é transposto por um passo.
De olhos bem fechados para ver.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

O Problema dos 3 Corpos

Três astros no vazio sideral situados.
Suas massas e momentos angulares próprios
Sustentados por um invisível esteio,
Prescindem de um divino artífice.

Agrilhoados apenas pela gravidade ou desejo,
Teias invisíveis que tudo unem
ao inverso do quadrado das distâncias.

Contudo, não existem soluções analíticas,
Fórmulas fechadas que podem a tudo explicar.
Apenas uma dinâmica orbital imprevisível
De 3 corpos contorcendo-se contra o infinito
Em configurações instáveis,
Sob condições iniciais desconhecidas,
Colidindo contra os Sóis
De nossos céus
No furor rompante do dia.

Os telescópios não olham para dentro.
Jamais poderiam.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Hyákinthos


Prensado entre as folhas de um livro,
Jacintos roxos ou azuis esmaecidos.
Seu perfume, ora intoxicante, agora fugidio,
Figura como um sonho bom
De dias que, hoje, não viriam,
Aquém das soleiras do lembrar.

As coisas delicadas e raras,
Em estantes altas,
Também estão protegidas.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Descarrilamentos


Trilhos de trem
Sobre planície descampada.
Paralelos, opostos.
Trajetórias já traçadas
Entre desvios e conexões,
Destinos e condições
Diferentes, próprias.

As locomotivas traduzem
O furor do fogo em movimento,
Acrescendo-o a distância,
Singrando o horizonte.
As pesadas rodas de metal
Tudo podem suportar
Sob o justo jugo dos trilhos.

O chão treme
Quando por instantes
Trens se entrecruzam
E, como antípodas,
Retornam ao seu lugar.

Mas é preciso escoar o minério,
As pessoas transportar.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Sob Conchas & Corais

 

Aquilo que se perde,
No peito faz morada.
Como rachaduras,
Por sombras preenchido
Ou pelo vazio conjurado.

Apenas palavras indistintas
Sussurradas nos ouvidos do vento,
Espalhadas para longe
Como grãos de areia
Que um dia foram conchas,
Mas que ainda carregam consigo
A lembrança difusa
Do brilho opaco
Das pérolas.

Periélio

Um astro, descompassado em sua órbita,
Desalinhado em seu vagar,
Risca inoportunamente os céus
Quase sempre não visto,
Carecendo dos cálculos e condições
Para realinhar a sua rota.

Agrilhoado pela gravidade do desejo,
Do pudor despido,
Ainda que incrédulo.

Os cometas circulam as estrelas
Mas dificilmente nelas encontram seu lugar.

Cálidos são seus raios,
Singrando a noite,
Rasgando o véu,
Trazendo-me novamente,
Relutante,
Até aqui.