domingo, 15 de outubro de 2023
Presbiopia
E isso deveria nos ser o bastante,
Mas a sobriedade que nos empossa o passo
Nem sempre nos leva adiante.
Percorremos com as mãos as paredes
Removendo as lascas de tinta.
O subtexto que sobra nem sempre é bonito
Ou sequer relevante.
O tempo apara as arestas
Tornando as linhas imprecisas.
Um olhar que se desfoca da parte,
Mas que se reconfigura no todo.
sábado, 14 de outubro de 2023
Situs Inversus
Rearranjo o estar das coisas
Para talvez nelas me encontrar.
Tudo foi posto à mesa,
As minhas entranhas foram expostas,
Mas nada estava em seu devido lugar.
É árduo costurar-se de novo.
Capturar com uma mão a pelúcia
E com a outra fazer o retalho.
Somos como as mãos que se desenham
Na finitude de um caderno
Quando temos epopeias para cantar.
Somos pinturas enquadradas pelo tempo
Penduradas em galeria inóspitas
Sem ninguém que possa nos apreciar.
As minhas janelas estão abertas,
Mas ainda sim encontro-me no lado de fora.
O eu é o limite torto de todas coisas,
Mas até mesmo ele
Precisamos, nalgum dia, transpassar.
segunda-feira, 9 de outubro de 2023
time_t **now = NULL
Entre os minutos que nos restam e as horas que nos faltam,
Habita o conflito de nossas agendas e agências.
Tateando-se para encontrar
A retilínea rota por onde o tempo,
Como areia, se esvai.
quarta-feira, 4 de outubro de 2023
Tiossulfato de Sódio
A dor fantasma dos amputados
É mais memória do que violência.
A gelatina de prata, insolente,
Suspende seus cristais contra a luz
Travando suas próprias batalhas
Em meio aos campos do lembrar.
É preciso erigir os pavilhões do passado
Em meio à turbidez do presente.
Suas pesadas portas podem sempre
Ser abertas quando o momento clama
Por faróis altos e olhos claros
Em meio as tormentas do devir.
Ecos de vozes emudecidas
Rodopiam como dervixes
No desnudar de meus dias.
Eu sou feito de tempo,
Como um suéter tricotado
Em salas de espera
Onde o nada transpira
O suor de sua monotonia.
Fotos velhas,
Vergonhosamente escondidas,
Desbotam em carteiras,
Casacos ou gavetas.