sábado, 24 de março de 2018

A Natureza Fugidia do Ser

Contrapomo-nos à vastidão dos dias
Perscrutando os horizontes de nossa finitude.

Iluminamos os espelhos d'água com a tênue luz de velas
sobre milhares de barquinhos de papel.
É a poesia simples que reside nas estrelas que se pode tocar.

Somos sussurros envoltos pela noite,
Despidos e despojados de um norte,
Debatendo-nos violentamente ao vento
como fitas em uma árvore amarradas.
Em cada fita uma promessa depositada,
em silêncio mantida e permanentemente não realizada.

Até quando barganharemos com o invisível
nestas encruzilhadas dissolutas?

Ecoamos impermanentes e indistintos
neste somatório de possíveis futuros
como estórias que se confundem e se entreabraçam
na composição de um quadro
simultaneamente muito maior
e inferior que nós.

O tempo nos perpassa,
Deixa-nos para trás
aturdidos e inconformes,
Estendendo a mão violentamente
à natureza fugidia do ser.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Os longos braços da Noite

Todos os obelisco se prostraram
Ou ainda se prostrarão
Sob o peso indizível das manhãs.

Glória finda e passageira,
Estas esperanças,
Nossas certezas vãs.

Aonde eu me sento à mesa?
Os comensais ainda chegam e já se vão.

Nas latitudes e longitudes ermas
Tento perscrutar-me,
Mas estrelas enfermas riscam nosso céu
E se afogam docemente ao beijarem o chão.

Vias que se entrecruzam em sombras
E se entreabrem em nós.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Morais de Carvalho

Os quadros estão cobertos por linho branco e traças.
Os cantos acumulam pó.

As portas e seus ferrolhos antiquados estão fechados.
As janelas não mais rangem ao se abrir.

Fotografias em caixas entulhadas.
Fotografias em paredes penduradas.

Os bibelôs indiferentes à fluidez do tempo
Pontuam a topografia inabitável da saudade.

O silêncio agora saúda as manhãs
Conjurando espectros nos pavilhões do lembrar.

Ecos distantes, abafados pelo desbotar dos dias.
O concreto feito abstrato.

Nomes na parede escritos
e nomes por nova tinta apagados.

Os relógios não podem ouvir nossas súplicas.
Suas engrenagens não caminham para trás.

Dilacerado pelo implacável tempo,
Descompassado pelas longitudes que separam
o recordar do viver.