quarta-feira, 31 de julho de 2013

Síncope Sutil


As palavras se borram
como se a tinta
tivesse sido diluída
por vez e vez mais.

Soerguem-se vozes
de recantos serenos
que recontam os pequenos
detalhes de dias atrás.

Ao colo recai um livro
sobre guerras passadas
e novas alvoradas,
um nunca olhar pra trás.

Da tv ligada
surgem imagens brilhantes
como meros coadjuvantes
de um sono que se refaz.

No vazio disforme projeto
os meus medos secretos
e aos poucos me recomponho.

Em síncope profunda,
braços magnânimos se fecham
e esta última barreira transponho.

Incauto como infante bem amado,
recaio em vastidão líquida
e toco na raiz azul dos sonhos.

Agridoce



Com os joelhos abraçados
torno suportável
você não estar aqui.

Tento imaginar a forma,
para uma voz que assombra
e que me inconforma.

Como pôde a invenção
seu inventor descontruir?

Enfeito as paredes com as fotos
de nossos momentos fabricados
e adormeço quieta no conforto frio
dos seus longos braços imaginados.

Seu leve toque inexistente
é a carícia mais pungente
que persiste em me atormentar.

Eu estou bem, obrigada.
Isto tudo irá passar.

Mas em algum lugar eu sei
que alguém espera
por um outro alguém
a lhe esperar.

Nunca lhe pedi nada
e você também nada trouxe,
mas mesmo com a distância
encontro um equilíbrio
agridoce.

Sopre suas palavras
como as sementes
de dentes-de-leão
ao vento.

Camas de Gato


O que perdi em profundidade,
ganhei em redobrada mansidão.
Amadurecer é simplificar-se,
desatar os nós de sua própria criação.

Antes precisei destes fios
para não sobrevoar e perder-me
em meio às promessas de infinito e compreensão.

Depois, como Teseu, usei-os para escapar
das muralhas e labirintos
erigidos somente em minha tola imaginação.

Agora armo camas-de-gato,
sabendo ser o destino
algo que somente se fia
pelas suas próprias mãos

Porcelana

Alvas faces
sempiternas e prostradas.
Tão indiferentes ao tempo
que lhes descasca a vítrea pele.
Frutos de um ditoso capricho
há muito esquecido
mas que ainda assim ecoa
como um suspiro na eternidade.

Suspensas em prateleiras
ou embaladas em suas caixas,
seus olhos fugidios parecem sempre olhar
para um algo mais além.

Tudo em volta se corrompe e se destrói,
mas as bonecas de porcelana permanecem sentadas
esperando pelo chá que não viria.